Miocardiopatia hipertrófica e exercício físico: liberar ou não liberar?

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Miocardiopatia hipertrófica e exercício físico: liberar ou não liberar?

Exercício físico para indíviduos com miocardiopatia hipertrófica é sempre desafiador!

Por um lado, as atividades físicas já são respaldas como interessante forma de prevenir e tratar diversas doenças cardiovasculares. Por outro, há uma preocupação se os riscos de arritmias ventriculares não sobrepujariam os benefícios da atividade física em indivíduos portadores de MH. Atualmente, os dados são poucos, de forma que a tomada de decisão ainda envolve bastante cuidado.

Mas, um interessante estudo apresentado no ACC 2023 acrescenta informações importantes quanto à possibilidade de liberação para atividades físicas em indivíduos com miocardiopatia hipertrófica (MH).

O estudo LIVE - HCM buscou avaliar se engajamento em exercícios intensos, inclusive competitivos, estaria associado com aumento de risco de arritmias ventriculares ameaçadoras à vida ou mesmo morte em indivíduos portadores de MH. Estes pacientes foram acompanhados prospectivamente por 3 anos.

Os critérios de inclusão foram:

  • Diagnóstico de MH
  • Genótipo positivo, sem Hipertrofia Ventricular Esquerd

Dentre os principais critérios de exclusão, estavam:

  • Condições que impossibilitassem o exercício (exemplo NYHA III ou IV)
  • Doenças infiltravas
  • Inabilidade de completar os questionários

Foram incluídos pacientes de 42 locais nos EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, de maio de 2015 a fevereiro de 2019.

  • 1534 indivíduos com diagnóstico de MH foram selecionados.
  • 40% mulheres
  • Idade entre 8-60 anos, sendo 20% menores que 25 anos.
  • Ainda foram analisados 126 indivíduos com genética positiva para MH, mas sem evidência de hipertrofia ventricular esquerda (sem fenótipo).

Os exercícios físicos foram classificados em:

  • Intensa – ao menos 1 atividade com >= 6 METS por >= 60h/ano, sendo 42% dos participantes
  • Moderada – entre 4 e 6 METS por >= 60h/ano, sendo 43% dos participantes
  • Sedentários – aqueles que não se encaixavam em nenhum dos grupos acima, sendo 16% dos participantes

Todos os participantes eram avaliados a cada 6 meses para análise de ocorrência de eventos. Os desfechos de interesse foram: morte, parada cardiorrespiratória ressuscitada, síncope, choque apropriado por CDI revisado por 2 eletrofisiologistas.

E quais foram os resultados?

O desfecho primário ocorreu em 77 indivíduos, sendo 44 em indivíduos dentro do grupo de exercícios não intensos, e 33 sob exercícios intensos.

Na análise secundária, comparou-se a incidência do eventos de acordo com o exercício realizado:

  • Intenso vs. sedentário - HR 0,77; IC90% 0,45-1,30; p=0,41
  • Moderado vs. sedentário - HR 0,69; IC90% 0,40-1,16; p=0,24
  • Intenso vs. moderado - HR 1,12; IC90% 0,73-1,71; p=0,66

Todos os eventos ocorreram em indivíduos com fenótipo para MH e nenhum com quem era portador apenas de genótipo.

Os autores do estudo afirmam que estes resultados não endossam a restrição de indivíduos com MH para atividades físicas intensas, contanto que estejam sendo bem assistidos e periodicamente avaliados por um cardiologista com experiência na área.

Como podemos usar esse estudo pra nossa prática?

Uma análise pouco atenciosa poderia dizer que isso seria uma evidência a favor da liberação de atividades físicas intensas para atletas portadores de MH.

Na verdade, o que esse estudo revela é que, dentro do contexto de atletas já avaliados e liberados, o risco de eventos cardiovasculares é similar em quem pratica exercícios de alta intensidade, moderada intensidade, ou é sedentário.

O estudo, portanto, corrobora que atletas portadores de MH sejam adequadamente e periodicamente analisados. Isso valoriza o conceito de decisão compartilhada e a contemplação da liberação para atividades físicas como algo mais amplo do que a condição cardiovascular em si.

Os atletas liberados tendem a ser atletas que demonstram perfil de risco baixo, com poucas características que aumentem a chance de eventos importantes.

Vale lembrar que o estudo excluiu pacientes com risco maior, como por exemplo, classe funcional (NYHA) III ou IV, ou outras condições que limitassem o exercício.

Ainda importante ressaltar que MH é a principal causa de morte súbita em atletas jovens, sendo que apenas 20% da amostra possuía menos que 25 anos no momento de estudo.

Para onde vamos?

A Cardiologia do Esporte, o estudo das Miocardiopatias e a Genética aplicada à Cardiologia tendem a evoluir, demonstrando possíveis fatores e dados de risco que permitam uma adequada estratificação de atletas com miocardiopatia hipertrófica. Isso irá promover uma melhor análise de risco a ponto de definir adequadamente quais atletas devem ser afastados, reavaliados ou até liberados para a atividade física intensa.ReferênciasAmerican College of Cardiology (ACC) Scientific Session/World Congress of Cardiology (WCC) 2023: Late Breaking Clinical Trials. Presented March 6, 2023. LIVE – HCM Trial. Rachel J. Lampert, MD, FACC, et al.