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Metformina ainda é a primeira opção no tratamento do diabetes?
Escrito por
Remo Holanda
Publicado em
6/8/2019
Todas as diretrizes de tratamento de diabetes mellitus tipo 2 (DM2) recomendam que, em pacientes com doença cardiovascular (CV) aterosclerótica prévia, a metformina deve ser considerada como primeira opção de tratamento antidiabético. Tal recomendação se baseia principalmente nos resultados favoráveis obtidos no estudo UKPDS (United Kingdom Prospective Diabetes Study), publicados há mais de duas décadas, em que o uso de metformina reduziu eventos cardiovasculares, inclusive infarto de miocárdio e morte, em pacientes obesos com DM2. Entretanto, com a chegada dos inibidores de SGLT2 (sodium glucose co-transporter-2) e dos agonistas de GLP-1 (glucagon-like peptide), dois medicamentos antidiabéticos com demonstrada redução de eventos cardiovasculares, o debate em relação a recomendar ou não metformina como primeira opção ganha força novamente.
Em um estudo recentemente publicado no periódico Circulation, Bergmark e cols trazem novos dados sobre essa questão. Em subanálise de um megatrial randomizado com saxagliptina (estudo SAVOR – TIMI 53), os investigadores demonstraram que o uso de metformina em cerca de 12 mil pacientes com DM2 e doença CV ou múltiplos fatores de risco se associou à redução de mortalidade em 25 %. Além disso, não houve redução no risco de acidente vascular cerebral (AVC), infarto do miocárdio ou hospitalização por insuficiência cardíaca (IC). Adicionalmente, não houve redução de mortalidade em pacientes com histórico prévio de IC ou doença renal crônica.
O que esses resultados significam? Em primeiro lugar, vale ressaltar que o uso de metformina não era randomizado, de tal maneira que, apesar de todos os complexos e elegantes ajustes estatísticos feitos no estudo, a associação pode ser explicada por fatores de confusão residuais (ou seja, a associação na verdade não significa necessariamente que a metformina reduza mortalidade, mas apenas que outras características que se associam ao uso de metfomina é que são a real explicação para essa maior sobrevida). Já a aparente ausência de benefício em pacientes com função renal deprimida ou com IC poderia também ser devido à pequena quantidade de pacientes com essas características (reduzindo o poder do estudo em concluir algo sobre essa sub-população).
Dito isso, os resultados são bastante intrigantes na medida em que, se a metformina realmente levar à redução de mortalidade, mesmo em uma coorte de pacientes diabéticos tratadas com terapias de prevenção secundária atuais, tais achados sugerem que ela ainda deva reinar absoluta como primeira opção nas diretrizes. Vale lembrar que, além disso, é um medicamento de baixo custo, ampla disponibilidade, com perfil de segurança favorável e já estabelecido. Entretanto, estudos randomizados com metformina seriam muito bem-vindos, sobretudo em um cenário em que os inibidores de SGLT2 e agonistas de GLP-1 vêm sendo recebidos com bastante entusiasmo entre cardiologistas e diabetólogos.