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O inositol é uma substância produzida pelo nosso organismo que faz parte do grupo da vitamina B e cuja principal ação biológica é funcionar como segundo mensageiro da ação insulínica nas células periféricas, sendo, assim, fundamental para a sensibilidade insulínica. Considerando que a resistência à insulina faz parte da complexa fisiopatologia da síndrome dos ovários policísticos (SOP), é natural que, nas últimas décadas, tenha surgido o questionamento de qual seria o papel do inositol na síndrome.
O inositol possui nove esteroisômeros, dos quais os mais importantes são o mio-inositol e o D-quiro-inositol. Ambos têm papéis diferentes na mediação da ação insulínica: enquanto o mio-inosiltol participa da captação de glicose, o D-quito-inositol está envolvido na síntese de glicogênio. Alguns estudos mais antigos têm sugerido que defeitos na sinalização intra-celular mediada pelo inositol poderiam estar envolvidos na resistência à insulina de mulheres com SOP.
No ovário, os dois esteroisômeros exercem, além do efeito habitual no metabolismo glicêmico, ações específicas sobre a função ovariana: o mio-inositol participa da sensibilização à ação do FSH e o D-quiro-inositol tem papel na mediação da síntese de andrógenos.
Percebe-se, portanto, que para um mais adequado funcionamento dos ovários, a quantidade de mio-inositol neste tecido deve ser maior do que a do D-quiro-inositol e, não à toa, esta proporção é de 100:1 no líquido folicular; enquanto, no meio sérico, é de 40:1. A transformação de mio-inositol em D-quiro-inositol é mediada por uma epimerase NAD/NADH-dependente estimulada pela insulina.
Na SOP, no entanto, esta proporção entre os dois esteroisômeros do inositol no líquido folicular parece estar alterada, uma vez que a hiperinsulinemia característica das mulheres com a síndrome, estimularia a epimerase específica, aumentando a transformação de mio-inositol em D-quiro-inositol. Com isso, o tecido ovariano passaria a ter níveis mais baixos de mio-inositol, com consequente redução da ação do FSH e da maturação folicular.
Desta forma, passou-se a hipotetizar que a suplementação do D-quiro-inositol melhoraria a sensibilidade insulínica no fígado e no músculo, com consequente melhora do hiperinsulinismo e que a normalização dos níveis de mio-inositol nos ovários normalizaria a sensibilidade folicular ao FSH.
Mas qual seria a exata proporção entre D-quiro-inosital e mio-inositol a ser suplementada? A suplementação de um seria superior a do outro? E qual seria a melhor dose? Haveria melhora tanto dos parâmetros metabólicos quanto das alterações reprodutivas? Estes são questionamentos que os estudos realizados até então vem tentando responder, embora se deparem com alguns obstáculos.
Um dos maiores desafios, por exemplo, reside no fato da suplementação de mio-inositol, por exemplo, não necessariamente corrigir seus níveis no líquido folicular. Mesmo com o aumento dos seus níveis séricos, não há garantia de que ocorreria também aumento no tecido ovariano, com normalização da relação entre os dois isômeros. Além disso, como especificado acima, a relação normal no meio sérico é bem diferente da existente normalmente no líquido folicular.
Mas o que temos de evidência até agora? A maioria dos estudos têm apontado uma maior eficácia do mio-inositol, provavelmente devido a sua ação benéfica sobre a função ovariana. Por outro lado, alguns autores apontam o papel benéfico do D-quiro-inositol, uma vez que ele melhoraria a resistência à insulina no fígado e no músculo, com redução da hiperinsulinemia. No entanto, seu uso isolado é menos promissor, considerando que o aumento apenas do D-quiro-inositol teria potencial efeito negativo sobre o ovário.
Desta forma, caso seja optado pela suplementação conjunta, a proporção de mio-inositol deve ser maior do que a de D-quiro-inositol. Mas qual seria esta proporção? Estudo publicado em 2019 sugeriu que a proporção de 40:1 seria a mais eficaz, mas fica o questionamento se esta proporção específica levaria a uma normalização da proporção presente no líquido folicular.
Outra dúvida diz respeito a quais seriam os benefícios da suplementação do inositol nas mulheres com SOP. A maioria dos estudos são pequenos e heterogêneos, o que limita a conclusão final sobre o real benefício desta suplementação. De qualquer forma, a melhora dos parâmetros metabólicos é a que possui melhor evidência até o momento, sendo mais controverso o benefício sobre os aspectos reprodutivos.
Exatamente por isso, o mais recente guideline de SOP considerou o uso de inositol apenas com o objetivo de melhorar os parâmetros metabólicos, mas sem substituir a metformina, que continua sendo preferível para este fim. No entanto, considerando as limitações e a heterogeneidade dos estudos, os autores não foram capazes de recomendar a melhor preparação nem a dose mais adequada.
Percebe-se, portanto, que, embora a terapia com inositol na SOP pareça ser promissora (considerando a fisiopatologia da doença e alguns dos estudos já realizados), ainda precisamos de evidências mais sólidas para responder as principais dúvidas sobre esta suplementação.