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Inibidores de SGLT2 e progressão da Estenose Aórtica

Escrito por
Ivson Braga
Publicado em
27/2/2025
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A estenose aórtica (EA) é a valvopatia mais comum nos países ocidentais e se desenvolve a partir da inflamação, calcificação e fibrose progressiva dos folhetos. Atualmente, não existe nenhuma terapia medicamentosa capaz de retardar a progressão da doença, e a única intervenção eficaz, quando a doença atinge estágio importante e sintomático, é a troca valvar cirúrgica ou tratamento transcateter.
Um estudo publicado no JACC: Cardiovascular Interventions essa semana (Effect of Sodium-Glucose Cotransporter-2 Inhibitors on the Progression of Aortic Stenosis), avaliou se os inibidores do co-transportador sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2), amplamente utilizados no tratamento do diabetes e da insuficiência cardíaca, poderiam ter um efeito protetor contra a progressão da EA. Há mecanismos biológicos plausíveis que sustentam essa hipótese. Os inibidores de SGLT2 possuem propriedades anti-inflamatórias, reduzindo a ativação do inflamassoma NLRP3 e a expressão da molécula de adesão celular vascular 1 (VCAM-1). Além disso, melhoram a função endotelial e atuam na modulação da calcificação valvar ao inibir a via do TGF-β e reduzir a expressão da metaloproteinase-9 (MMP-9), ambos envolvidos no processo de fibrose e calcificação da válvula aórtica.
O estudo foi retrospectivo, observacional e multicêntrico, utilizando dados do sistema de saúde Yale New Haven Health System, entre janeiro de 2016 e setembro de 2022. Foram incluídos pacientes com esclerose aórtica ou EA não grave e pelo menos 12 meses de acompanhamento ecocardiográfico. A pesquisa comparou indivíduos que iniciaram o uso de iSGLT2 com aqueles que nunca utilizaram essa medicação, forma excluídos indivíduos com taxa de filtração glomerular estimada inferior a 30 mL/min/1,73m² e aqueles que já utilizaram iSGLT2 por mais de um ano antes da inclusão no estudo. Os desfechos avaliados incluíram a progressão para EA grave como desfecho primário, além de mortalidade por todas as causas e progressão de parâmetros ecocardiográficos (velocidade do jato aórtico, área valvar aórtica e índice de velocidade).
Os principais resultados mostraram que os pacientes que utilizaram iSGLT2 tiveram uma redução significativa de 39% no risco de progressão para EA grave (HR: 0,61; IC 95%: 0,39-0,94; p=0,03). Esse efeito foi ainda mais evidente entre aqueles que usaram o medicamento por períodos mais longos, sendo a redução do risco progressivamente maior em pacientes com uso superior a 3, 6 e 12 meses (HR: 0,54; HR: 0,48; e HR: 0,27, respectivamente; todos P < 0,01). Além disso, o grupo que utilizou iSGLT2 apresentou progressão mais lenta dos parâmetros ecocardiográficos, com menor aumento da velocidade do jato aórtico (0,03 m/s/ano vs. 0,05 m/s/ano; p = 0,0005) e menor redução da área valvar aórtica (-0,06 cm²/ano vs. -0,08 cm²/ano; p = 0,06). No entanto, não houve diferença significativa na mortalidade geral entre os grupos (HR: 0,98; IC 95%: 0,71-1,37; p=0,912). Pacientes que usavam IECA/BRA/INRA apresentaram menor incidência de progressão para EA grave (HR: 0,84; IC de 95%: 0,72-0,97; P = 0,02). Estatinas, beta-bloqueadores, inibidores da DPP-4 e agonistas do GLP-1 não demonstraram benefícios significativos na progressão da estenose aórtica ou nos parâmetros ecocardiográficos avaliados.
Os resultados deste estudo representam um passo importante na busca por uma terapia farmacológica capaz de modificar a história natural da estenose aórtica, uma condição para a qual, até o momento, nenhum medicamento demonstrou eficácia em retardar a progressão da doença. Embora se trate de um estudo observacional, abre uma via de investigação particularmente promissora. Se futuros ensaios clínicos confirmarem esses achados, os inibidores de SGLT2 poderão se tornar a primeira abordagem farmacológica para retardar a progressão da estenose aórtica.
Referência:
Shah, Tayyab et al. “Effect of Sodium-Glucose Cotransporter-2 Inhibitors on the Progression of Aortic Stenosis.” JACC. Cardiovascular interventions, S1936-8798(24)01821-1. 6 Feb. 2025, doi:10.1016/j.jcin.2024.11.036