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Ieca é melhor que BRA para tratamento de hipertensão arterial?
Escrito por
Eduardo Lapa
Publicado em
17/4/2018
Já vimos em post anterior que os inibidores da eca (ieca) possuem evidência científica mais sólida que os bloqueadores do receptor da angiotensina II (BRA) no tratamento da insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida. Mas e no tratamento da hipertensão arterial sistêmica (HAS)? Há evidência clara de que os ieca são melhores que os BRA? Essa pergunta é relavante pois algumas diretrizes colocam os BRA como medicações de segundo linha, devendo ser usadas em casos de intolerância aos ieca. Já a diretriz americana, por exemplo, coloca ambas as medicações como de primeira escolha para o tratamento da HAS, em associação com os diuréticos tiazídicos e os antagonistas dos canais de cálcio (pg 85 da diretriz). Mas finalmente, BRA é realmente tão bom quanto os iecas para tratar HAS?
Um artigo de revisão do JACC cujo principal autor é o Dr Messerli foi publicado recentemente avaliando esta questão. Alguns dados interessantes:
- Não há ensaios clínicos randomizados que mostrem redução de morbidade ou mortalidade em pctes HAS tratados com ieca ou bra x placebo! Como assim? E o HOPE 3? Primeiro, quase metade dos pctes deste trial não eram HAS pelo conceito clássico. Segundo, foi um estudo de resultado negativo. E o CAMELOT? Neste trial a PAS média no início do tratamento era de 129 mmHg, ou seja, pctes não hipertensos também. E o ALLHAT que comparou lisinopril, clortalidona e anlodipino? Pois é, comparou estas medicações entre si. Não tinha placebo também. Vamos fazer um post separado do ALLHAT depois.
- Metanálises conduzidas por diferentes equipes sugerem que não há diferença de eficácia entre as medicações quando usadas no pcte com HAS.
- Esta análise parece se manter mesmo quando avaliados certos subgrupos de pacientes como os diabéticos e os pacientes com doença renal crônica (DRC). Enquanto em pctes diabéticos a diretriz americana coloca as 4 classes de anti-has como equivalentes, o mesmo guideline já coloca o ieca como medicação preferencial ao BRA nos pctes com DRC.
- Uma diferença importante entre iecas e BRAs é a incidência de efeitos colaterais. Como se sabe, o principal efeito colateral dos iecas é a presença de tosse seca. Esta chega a ocorrer em mais de 10% dos pctes que usam ieca.
- A incidência de tosse seca por ieca é 2,5x mais frequente em pctes asiáticos do que em pctes caucasianos! Por este motivo muitos médicos asiáticos têm prescrito cada vez menos ieca. Estudo recente na China, por exemplo, mostrou que neste país o uso de BRAs é 2x mais frequente que de iecas para o tratamento de HAS.
- O outro efeito colateral dos iecas, felizmente bem mais raro, é a presença de angioedema. Este costuma ser mais frequente em pctes afrodescendentes. O angioedema não obrigatoriamente ocorre logo após a introdução da medicação. Há casos relatados em que o pcte já usava o ieca há 8 anos. A incidência desta complicação fica em torno de 0,7% dos casos. 20% destes casos são considerados graves.
- No passado havia a questão do custo o qual era bem maior com os BRAs do que com os iecas. Atualmente, contudo, praticamente todas as medicações de ambos os grupos podem ser encontradas na forma genérica e no caso de algumas medicações (enalapril, captopril, losartana), há disponibilidade de forma gratuita através de programas do governo federal.
- BRAs são suspensos 22% menos que iecas de acordo com alguns trabalhos. Este número devem ser ainda maiores na população asiática.
Conclusão do artigo de revisão:
- Com exceção da população portadora de insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida, não há evidências de que iecas sejam melhores que BRAs no tratamento da hipertensão arterial. As análises existentes mostram igual eficácia das classes de medicamentos neste cenário, com a vantagem dos BRAs terem perfil de tolerância.
Referência: Messerli FH et al. Angiotensin-Converting Enzyme Inhibitors in Hypertension To Use or Not to Use? J Am Coll Cardiol 2018.