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Hiperparatireoidismo primário normocalcêmico: como diagnosticar
Escrito por
Erik Trovao
Publicado em
4/4/2023
O hiperparatireoidismo primário normocalcêmico corresponde a um dos fenótipos estabelecidos de hiperparatireoidismo primário, em que existe a produção autônoma de PTH por uma ou mais paratireoide, mas sem que ocorra aumentos dos níveis séricos de cálcio. Mas você sabe diagnosticar corretamente esta condição?
O primeiro ponto a ser pontuado é que o diagnóstico de hiperparatireoidismo primário normocalcêmico deve ser de exclusão. E o que exatamente dever excluído? As diversas causas existentes de hiperparatireoidismo secundário que cursam com elevação do PTH e cálcio normal:
- Deficiência de vitamina D: corresponde à causa mais comum de hiperparatireoidismo secundário. Com a queda dos níveis séricos de 25-hidroxivitamina (25OHD), as paratireoides aumentam a secreção de PTH para aumentar a ativação renal em calcitriol e impedir a hipocalcemia. Desta forma, na presença de níveis elevados de PTH com 25OHD < 30 ng/ml, orienta-se a suplementação, com a reavaliação dos níveis de PTH após se atingir o alvo > 30 ng/ml.
- Doença renal crônica: sabemos que a disfunção renal eleva a secreção de PTH, sendo uma das principais causas de hiperparatireoidismo secundário. Quanto menor a taxa de filtração glomerular (TFG), mais alto os níveis séricos de PTH. Mas para excluir esta condição durante a investigação do hiperparatireoidsmo secundário, adota-se um ponto de corte da TFG > 60.
- Hipercalciuria primária: a presença de doenças tubulares renais de origem primária que cursem com perda urinária de cálcio pode elevar os níveis de PTH numa tentativa de se evitar uma possível hipocalcemia. Esta avaliação pode ser feita com a dosagem de cálcio urinário nas 24h: níveis < 250mg/24h em mulheres e < 300 mg/24h em homens afastam esta possibilidade.
- Disabsorção intestinal: é preciso avaliar sinais e sintomas de má absorção intestinal ou a presença de algum diagnóstico já previamente estabelecido, como o de doença celíaca. Alguns achados laboratoriais tornam menos provável a presença de disabsorção intestinal: níveis ótimos de vitamina D na ausência de suplementação; e calciuria acima de 100mg/24h. Presença de níveis muito baixos de 25OHD (especialmente se refratários à suplementação habitual) e hipocalcuria podem alertar para alguma condição intestinal ainda não diagnosticada.
- Medicamentos: é preciso sempre questionar, na anamnese, sobre o uso de medicações que possam estimular diretamente a secreção de PTH, como o lítio e os tiazídicos; ou que possam causar hipocalcemia, levando ao aumento de PTH numa tentativa de impedir este efeito, como os anti-reabsortivos (bisfosfonatos e denosumabe).
Portanto, diante de um achado laboratorial de PTH elevado com cálcio normal, alguns exames adicionais são obrigatórios: 25OHD, creatinina e calciuria. Mas além destes exames que irão nos auxiliar na exclusão das condições citadas acima, é também fundamental a dosagem de cálcio iônico. E por quê?
Por que, em cerca de 10% dos casos de hiperparatireoidismo normocalcêmico sugerido pela dosagem do PTH e do cálcio total corrigido, o cálcio iônico pode estar elevado. Trata-se, portanto, de um fenótipo clássico hipercalcêmico, não evidenciado pela dosagem do cálcio total.
Assim, uma vez que tenhamos excluído as causas de hiperparatireoidismo secundário e evidenciado um cálcio iônico normal, podemos falar em hiperparatireoidismo primário normocalcêmico. Mas cuidado! O último guideline de hiperparatireoidismo, orienta que se repita a dosagem do PTH e do cálcio após 3 a 6 meses e, apenas se mantida a alteração, é que se pode fechar o diagnóstico.
Percebe-se, portanto, que o diagnóstico de hiperparatireoidismo primário normocalcêmico não é simples. Requer uma avaliação cuidadosa do paciente, com a realização de exames laboratoriais adicionais e repetição dos testes.