Galactosemia no Período Neonatal

Compartilhe

A galactosemia é uma desordem metabólica rara, com potencial de causar complicações graves se não tratada precocemente. No período neonatal, seu diagnóstico e manejo são essenciais para evitar sequelas permanentes e até óbito. Este texto aborda os aspectos essenciais sobre a galactosemia, fornecendo informações práticas e atualizadas para pediatras e neonatologistas.

Fisiopatologia

A galactosemia resulta de um defeito no metabolismo da galactose, um monossacarídeo derivado da lactose. Após a ingestão de leite, a lactose é quebrada em glicose e galactose. Em indivíduos normais, a galactose é metabolizada em glicose-1-fosfato através de uma via enzimática que envolve três enzimas principais:

  1. Galactoquinase (GALK): Converte galactose em galactose-1-fosfato.
  1. Galactose-1-fosfato uridiltransferase (GALT): Catalisa a conversão de galactose-1-fosfato em UDP-galactose.
  1. UDP-galactose epimerase (GALE): Participa na conversão de UDP-galactose em UDP-glicose.

Na galactosemia clássica (deficiência de GALT), a galactose-1-fosfato se acumula nos tecidos, resultando em toxicidade. Isso provoca dano a múltiplos órgãos, especialmente fígado, rim e sistema nervoso central, além de aumentar a suscetibilidade a infecções graves por Escherichia coli.

Etiologia

A galactosemia é uma doença hereditária autossômica recessiva. As três variantes principais da doença são:

  1. Galactosemia clássica (deficiência grave de GALT): A forma mais comum e grave.
  1. Deficiência de galactoquinase (GALK): Caracteriza-se principalmente por catarata neonatal.
  1. Deficiência de GALE: Apresenta formas mais variáveis, desde fenótipo leve até manifestações graves semelhantes à galactosemia clássica.

A incidência da galactosemia clássica é estimada em 1:30.000 a 1:60.000 nascidos vivos, com variações regionais.

Manifestações Clínicas no Período Neonatal

Os recém-nascidos com galactosemia geralmente apresentam sintomas após a introdução do leite (amamentação ou fórmula à base de lactose). As manifestações iniciais incluem:

  • Intolerância alimentar: Vômitos, recusa alimentar e diarreia.
  • Icterícia e hepatomegalia: Resultantes da disfunção hepática e colestase.
  • Hipoglicemia: Devido à disfunção metabólica.
  • Catarata: Pode ser detectada precocemente em exame oftalmológico.
  • Infecções graves: Sepse neonatal por E. coli é uma complicação frequente e potencialmente fatal.
  • Atraso no ganho de peso e desenvolvimento: Como resultado da má absorção e toxicidade metabólica.

A progressão para insuficiência hepática, insuficiência renal e danos neurológicos permanentes ocorre rapidamente na ausência de intervenção.

Diagnóstico

O diagnóstico precoce é essencial e geralmente envolve:

  1. Triagem Neonatal: Realizada por meio do teste do pezinho, que mede a atividade da enzima GALT e/ou os níveis de galactose e galactose-1-fosfato no sangue.
  1. Confirmação Diagnóstica:
  • Medição da atividade enzimática de GALT em hemácias.
  • Teste genético para mutações no gene GALT.
  • Dosagem de galactose e galactose-1-fosfato no sangue.
  1. Exames Complementares:
  • Função hepática (TGO, TGP, bilirrubinas).
  • Avaliação renal (ureia e creatinina).
  • Cultura para E. coli em casos de sepse.

A detecção precoce pelo teste do pezinho é crucial para iniciar o tratamento antes do surgimento de complicações graves.

Conduta e Manejo

O manejo da galactosemia envolve intervenções emergenciais e de longo prazo:

  1. Suspensão da Lactose: A interrupção imediata do leite materno e fórmulas à base de lactose é a prioridade. Deve-se introduzir fórmulas isentas de galactose, como fórmulas à base de soja.
  1. Monitoramento de Complicações:
  • Controle rigoroso da hipoglicemia.
  • Tratamento da sepse, especialmente com antibióticos direcionados contra E. coli.
  • Monitoramento da função hepática e renal.
  1. Acompanhamento a Longo Prazo:
  • Avaliação regular do desenvolvimento neurológico e motor.
  • Monitoramento oftalmológico para detectar cataratas precocemente.
  • Supervisão dietética contínua para evitar fontes ocultas de galactose em alimentos.
  1. Educação Familiar: Orientar os cuidadores sobre a doença, a importância da adesão dietética e o reconhecimento precoce de sinais de complicações.

Prognóstico

Embora o manejo dietético eficaz previna as manifestações agudas da galactosemia, complicações de longo prazo, como dificuldades de aprendizado, ataxia e falência ovariana prematura, podem ocorrer, especialmente na galactosemia clássica. Um seguimento multidisciplinar, envolvendo pediatras, geneticistas, nutricionistas e outros especialistas, é essencial para melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Conclusão

A galactosemia é uma emergência metabólica no período neonatal que requer diagnóstico e intervenção imediatos. A triagem neonatal e o manejo dietético precoce são fundamentais para prevenir as complicações agudas e crônicas da doença. Pediatras e neonatologistas têm um papel crucial na identificação, manejo e acompanhamento desses pacientes, garantindo um cuidado integral e multidisciplinar.