Fibrose Cística no Período Neonatal

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A fibrose cística (FC) é uma doença genética autossômica recessiva, caracterizada por disfunção das glândulas exócrinas, afetando principalmente os sistemas respiratório, digestivo e reprodutor. Para neonatologistas e pediatras, a identificação precoce de manifestações de FC e a implementação de um manejo adequado são essenciais para otimizar o prognóstico e qualidade de vida do recém-nascido (RN) afetado.

Fisiopatologia e Etiologia

A FC é causada por mutações no gene CFTR (Cystic Fibrosis Transmembrane Conductance Regulator), localizado no cromossomo 7. O gene CFTR codifica uma proteína que regula o transporte de íons cloro através das membranas celulares das glândulas exócrinas. As mutações no CFTR comprometem a função da proteína, resultando em secreções espessas e viscosas que obstruem ductos de várias glândulas, levando a inflamação e infecção crônicas, principalmente no trato respiratório.

Manifestações Clínicas no Período Neonatal

Embora muitos pacientes sejam assintomáticos ao nascer, alguns sinais clínicos podem sugerir a presença de FC:

  1. Íleo meconial: É a manifestação neonatal mais característica da FC, presente em cerca de 10 a 20% dos RNs com a doença. O íleo meconial ocorre devido à obstrução do intestino terminal por secreções espessas, resultando em distensão abdominal, vômitos biliosos e ausência de eliminação de mecônio nas primeiras 48 horas.

  1. Retardo na eliminação do mecônio: Atraso na eliminação do mecônio pode indicar íleo meconial subclínico.

  1. Distensão abdominal e vômitos biliosos: São sintomas sugestivos de obstrução intestinal devido ao acúmulo de secreções espessas no trato gastrointestinal.

  1. Icterícia prolongada: Em alguns casos, a icterícia neonatal persistente pode estar associada a insuficiência hepática secundária as alterações nas vias biliares.

Diagnóstico

O diagnóstico precoce é fundamental para permitir intervenções que diminuam complicações e melhorem a qualidade de vida. As abordagens principais incluem:

  1. Teste do Pezinho: Em países onde há triagem neonatal para FC, o teste de tripsina imunorreativa (IRT) no sangue é realizado logo após o nascimento. A elevação dos níveis de IRT é um marcador inicial que sugere FC, mas é confirmada com outros exames.
  1. Teste do Suor: Padrão-ouro para confirmação do diagnóstico, o teste mede a concentração de cloro no suor. Um valor acima de 60 mmol/L em duas amostras distintas confirma a FC.

  1. Testes Genéticos: Identificação de mutações no gene CFTR é útil para confirmação diagnóstica, especialmente em casos com sintomas atípicos ou com resultados duvidosos no teste do suor.

Conduta e Manejo Neonatal

O manejo de RNs diagnosticados com FC deve ser realizado em um ambiente multidisciplinar, incluindo cuidados neonatais e acompanhamento por especialistas em fibrose cística.

  1. Tratamento do Íleo Meconial: Nos casos de íleo meconial, a intervenção inicial é a utilização de enemas de contraste sob orientação radiológica. Em casos graves, pode ser necessário o tratamento cirúrgico.

  1. Nutrição e Suplementação: Devido à insuficiência pancreática, comum em pacientes com FC, é necessário o uso de enzimas pancreáticas, além de suplementos vitamínicos, especialmente das vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K).

  1. Acompanhamento Respiratório: Embora as manifestações respiratórias sejam mais evidentes em idades posteriores, é importante iniciar o acompanhamento com fisioterapia respiratória e vigilância para infecções.

  1. Suporte Familiar e Aconselhamento Genético: O suporte psicológico e o aconselhamento genético são essenciais, já que os pais precisam de orientação para compreender a doença e o impacto genético.

Considerações Finais

O diagnóstico precoce e o manejo adequado no período neonatal são pilares para o sucesso no tratamento de pacientes com fibrose cística. A identificação rápida de sintomas neonatais, como o íleo meconial e o atraso na eliminação de mecônio, aliada à realização do teste do pezinho, são essenciais para a triagem inicial. Através de uma abordagem multidisciplinar, é possível otimizar o prognóstico e oferecer uma melhor qualidade de vida para esses pacientes.