Estudo sugere que não deveríamos mais corrigir o cálcio sérico pela albumina

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A mensuração adequada do cálcio sérico é fundamental na prática clínica, dada sua importância em processos fisiológicos como sinalização celular, coagulação, função neuromuscular e mineralização óssea. Embora o cálcio ionizado seja a forma biologicamente ativa, seu uso na rotina é limitado devido à complexidade e ao custo. Por esse motivo, muitos clínicos utilizam fórmulas de correção do cálcio total com base na albumina sérica, prática cuja eficácia e segurança permanecem pouco validadas empiricamente.

 

Estudo canadense publicado recentemente no JAMA objetivou avaliar a correlação entre as medidas de cálcio total, tanto corrigidas como não corrigidas, e as medidas de cálcio ionizado. Foi um estudo transversal e populacional incluindo 22.658 adultos que realizaram medidas simultâneas de cálcio total e cálcio ionizado entre janeiro de 2013 e outubro de 2019. A coorte teve mediana de idade de 60 anos e 52,5% eram mulheres. Foram avaliadas 10 fórmulas de ajuste do cálcio total pela albumina, incluindo a fórmula de Payne, uma das mais utilizadas na prática clínica.

 

Os resultados revelaram que o cálcio total não ajustado apresentou melhor correlação com o cálcio ionizado (R² = 71,7%) do que a fórmula de Payne simplificada (R² = 68,9%) e que o ajuste com a fórmula original de Payne teve a pior correlação (R² = 60,3%). A fórmula de James teve o melhor desempenho (R² = 76,7%), mas ainda com ganho marginal frente ao total não ajustado. Ao classificar os pacientes em hipocalcemia, normocalcemia ou hipercalcemia, o cálcio total não ajustado demonstrou o melhor índice de concordância com o cálcio ionizado, enquanto as fórmulas ajustadas apresentaram altas taxas de sub ou superestimação, especialmente em pacientes com hipoalbuminemia (<30 g/L).

 

A análise dos padrões de solicitação laboratorial mostrou que, apesar de sua limitação diagnóstica, as fórmulas de correção por albumina são amplamente utilizadas, com aproximadamente 55% dos testes de cálcio total sendo realizados em conjunto com albumina, e apenas 0,5% associados à dosagem simultânea de cálcio ionizado. Isso sugere uma dependência significativa de métodos potencialmente imprecisos na prática clínica atual.

 

Concluiu-se, portanto, que o uso rotineiro de fórmulas de correção do cálcio total com base na albumina não melhora a acurácia diagnóstica em relação ao uso do cálcio total isolado e pode aumentar o risco de classificação incorreta do estado cálcico, sobretudo em cenários de hipoalbuminemia. Os autores recomendam reconsiderar o uso dessas fórmulas na prática clínica e sugerem que o cálcio total não ajustado deve ser preferido, sendo o cálcio ionizado reservado para situações clínicas específicas onde maior precisão é exigida. Será que teremos, num futuro próximo, uma mudança de paradigma na avaliação laboratorial do cálcio sérico?