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Endocardite infecciosa em dialíticos: o que muda?
Escrito por
Tiago Bignoto
Publicado em
6/4/2021
O perfil de pacientes que desenvolvem endocardite infecciosa vem se alterando ao longo dos últimos 50 anos. Ultimamente, essa é uma doença mais prevalente num grupo de pacientes mais graves, com diversas comorbidades e, por essa razão, mesmo com o desenvolvimento de diversas tecnologias para suporte, a mortalidade permanece elevada.
Pacientes que experimentam episódios frequentes de bacteremia, que são desnutridos e apresentam relativa imunossupressão são o estereótipo ideal para o desenvolvimento dessa patologia. Quer um paciente exatamente assim? O que utiliza terapia renal substitutiva.
Em recente publicação no JACC, foi abordada a análise observacional de uma população de indivíduos que desenvolveram endocardite infecciosa e que foram separados em dois grupos de acordo com a presença ou não de hemodiálise crônica. Os desfechos pesquisados foram mortalidade geral intra-hospitalar e em 6 meses, cirurgia no mesmo período, reinfecção e evento embólico maior.
Os achados foram interessantes e podem ser resumidos da seguinte forma:
- A prevalência de endocardite nos pacientes que fazem hemodiálise foi maior do que o relatado na literatura (8,3%);
- Presença de fístula arteriovenosa como via de acesso esteve mais correlacionado do que o esperado, embora a maior casuística esteja nos indivíduos que usam cateteres vasculares;
- A prevalência de enterococcus foi maior do que o encontrado na literatura;
- Houve maior recorrência de Endocardite no acompanhamento do que o encontrado na literatura.
Também foi encontrado que pacientes que estavam em hemodiálise e desenvolviam endocardite tinham maior prevalência de comorbidades associadas, como diabetes, hipertensão arterial e doença arterial coronariana. Isso corrobora o que as publicações mais importantes sobre o caso trazem, de que atualmente, trata-se de uma população mais grave e doente.
Importante ressaltar o achado de que a confecção de uma fístula reduz a incidência de eventos infecciosos, mas não evita, sendo que aproximadamente 30% dos casos que desenvolveram endocardite, provavelmente o fizeram pelas punções repetidas, devendo ser considerada também uma porta de entrada.
Do ponto de vista microbiológico, o S. aureus foi o maior responsável pela casuística, sendo responsável por quase metade dos eventos. Na sequência veio o Enterococcus, etiologia relacionada a indivíduos idosos com diversas comorbidades.
Falando sobre a topografia da infecção, o maior acometimento se deu em valvas nativas, especificamente na mitral, contrastando um pouco com o que é encontrado na literatura, de grande envolvimento de próteses, quando presentes. No entanto não é um sítio a se desconsiderar, tanto por questões fisiopatológicas, quanto por achados de diversas publicações anteriores.
Fato relevante foi que os pacientes em hemodiálise apresentaram quadros infecciosos mais longos, explicado pela presença dos cateteres vasculares e pela epidemiologia referente: S. aureus costuma evoluir com bacteremia persistente levando a piores evoluções.
Sobre a indicação de cirurgia, pacientes dialíticos apresentavam menor indicação, provavelmente por serem doentes mais graves, fazendo o clínico ser mais conservador. Única variável correlacionada isoladamente com indicação de cirurgia nesse grupo especificamente foi a insuficiência cardíaca aguda e mesmo assim eram mais jovens e com menos comorbidades.
A mortalidade intra-hospitalar foi semelhante no grupo que foi encaminhado para a cirurgia e para aquele que teve conduta conservadora.
De forma geral, pacientes dialíticos que desenvolviam endocardite apresentavam maior mortalidade imediata e a médio prazo. Chama atenção que bacteremia persistente e fenômenos embólicos foram mais prevalentes no grupo que evoluiu com óbito, mostrando o papel da infecção no desfecho negativo.
A recorrência também ocorreu em maior número no grupo dialítico, por razões já descritas, mas não foi correlacionado com a presença de enterococcus como etiologia do processo infeccioso, dado muitas vezes relatado na literatura.
Como limitações que merecem destaque, a causa exata da evolução da doença renal até a necessidade de diálise não era conhecida, bem como a gestão específica do sítio de punção do cateter e sua topografia.
Diante da gravidade da doença e dos achados nessa população que se submete a hemodiálise, além dos cuidados padrões para limpeza de pele e acesso vascular, a vigilância deve ser ainda maior no desenvolvimento de complicações infecciosas.