ECMO na parada cardiorrespiratória: já podemos indicar de rotina?

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ECMO na parada cardiorrespiratória: já podemos indicar de rotina?

A terapia de suporte circulatório com ECMO (extracorporeal membrane oxigenator) vem sido amplamente utilizada em vários contextos, embora seu real benefício clínico ainda seja incerto. Recentemente, comentamos um estudo sobre ECMO no choque cardiogênico (Quer saber mais? Confira em: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/ecmo-no-choque-cardiogenico/ ). Agora, dados de um estudo importante foram publicados por Suverein e cols. no periódico New England Journal of Medicine a respeito do uso de ECMO na parada cardiorrespiratória.

O estudo (chamado pelo acrônimo INCEPTION, Early Initiation of Extracorporeal Life Support in Refractory Out-of-Hospital Cardiac Arrest) foi um ensaio clínico randomizado, aberto com avaliação cega de desfechos, multicêntrico (Atenção, se você “escorregou” aqui nestes conceitos, não deixe de ler este nosso artigo em: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/piramide-da-evidencia/), feito em 12 serviços médicos de emergência da Holanda. Ao todo, 160 pacientes com parada cardiorrespiratória em ritmo chocável refratária a despeito de 15 minutos de ressuscitação foram randomizados para ECMO versus grupo controle. O desfecho primário foi proporção de pacientes com bom status neurológico em 30 dias. A idade média foi de 56 anos, e a maioria dos pacientes (77%) tinham como causa da parada um infarto agudo do miocárdio. Após a randomização, 26 pacientes foram excluídos por, segundo os autores, “não terem preenchido critérios de inclusão”. Apenas 3 pacientes do grupo controle foram tratados com ECMO (ou seja, sofreram um crossover). Ao final de 30 dias, a proporção de pacientes vivos e com bom status neurológico não foi diferente entre os grupos ECMO e controle (20% versus 16%, respectivamente; odds ratio 1,4; intervalo de confiança [IC] 95% 0,5-3,5; P = 0,52). Não houve diferença também nos desfechos de recuperação sem sequelas neurológicas em 3 nem em 6 meses, nem de proporção de pacientes com retorno à circulação espontânea ou sobrevivência à alta da UTI.

E agora, o que devo fazer? Está indicado o uso de ECMO na parada cardiorrespiratória refratária? Antes de mais nada, vamos ver alguns detalhes do estudo. O fato de ser um estudo randomizado nos dá um grau de confiabilidade muito maior devido ao controle maior de vieses, já que, nos estudos observacionais, normalmente os pacientes selecionados ou não para uso de ECMO na parada cardiorrespiratória são bastante diferentes. Apesar de o estudo não ser duplo-cego (seria muito difícil, por motivos óbvios!), os avaliadores do desfecho eram cegos à intervenção do estudo, o que combate o viés de aferição. Talvez o grande “calcanhar de Aquiles” deste estudo seja o cálculo amostral “muito otimista”. Os autores fizeram a hipótese de que a ECMO levaria a um impressionante aumento de 3 vezes (!!) na proporção de pacientes vivos e com bom status neurológico. Ao final do estudo, até houve uma diferença (20% versus 16%; equivaleria a um NNT de 25, o que seria espetacular!), porém ela não foi estatisticamente significativa. Isso ocorre porque, ao se “apostar alto demais” no benefício do tratamento, o número de pacientes incluídos acaba sendo insuficiente para detectar um efeito menor, ainda que ele possa de fato existir.

Moral da história: ainda não temos evidência suficiente para indicar de rotina ECMO na parada cardiorrespiratória. Entretanto, a esperança não acaba aqui. Vamos aguardar futuros estudos e esperamos quem sabe um dia encontrar um tratamento comprovadamente eficaz capaz de melhorar o prognóstico desses pacientes.

(Caro leitor, se você leu o penúltimo parágrafo e entendeu tudo, parabéns! Mas se você não conseguiu, fica tranquilo. Confira nosso Curso de Medicina Baseada em Evidências e saiba passo a passo todos os caminhos para a leitura adequada de um artigo científico: https://lp3.cardiopapers.com.br/mbe-matriculas-perpetuo/).

REFERÊNCIAS

Suverein MM, Delnoij TSR, Lorusso R, et al. Early Extracorporeal CPR for Refractory Out-of-Hospital Cardiac Arrest. N Engl J Med 2023; 388:299-309. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2204511?query=featured_home