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EARLY TAVR: novas evidências para o tratamento da estenose aórtica importante assintomática
Escrito por
Ivson Braga
Publicado em
7/11/2024
O New England Journal of Medicine publicou recentemente os resultados do EARLY TAVR Trial, um estudo sobre o manejo de pacientes com estenose aórtica estágio C (importante assintomática). Este ensaio clínico investigou a eficácia do implante de valva aórtica transcateter (TAVI) precoce, comparando com a conduta expectante padrão (watchful waiting). As diretrizes atuais orientam intervenção em pacientes assintomáticos na presença de complicadores (disfunção ventricular, teste ergométrico com sintomas e presença de valvopatia crítica). A conduta expectante na estenose aórtica assintomática sem complicadores, tem sido contestada por trabalhos mais recentes.
O EARLY TAVR adiciona novas evidências a estudos anteriores que avaliaram a abordagem de pacientes com estenose aórtica grave assintomática, como o RECOVERY Trial e o AVATAR Trial. O RECOVERY Trial investigou pacientes com estenose aórtica muito grave assintomática, randomizados para cirurgia precoce ou vigilância clínica. Os resultados mostraram uma redução significativa na mortalidade cardiovascular e mortalidade geral no grupo de cirurgia precoce, sugerindo que a intervenção antecipada pode ser benéfica. O AVATAR Trial focou em pacientes com estenose aórtica grave assintomática e teste de esforço negativo e comparou a cirurgia precoce com a vigilância clínica. Houve uma redução nos eventos cardiovasculares graves, como infarto e AVC, no grupo de intervenção precoce. Ao contrário dos estudos anteriores que compararam a cirurgia com a conduta expectante, o estudo EARLY TAVR utilizou o TAVI na intervenção.
No EARLY TAVR Trial, foram incluídos 901 pacientes com ≥ 65 anos, estenose aórtica grave assintomática e teste de ergométrico negativo. Foram randomizados para implante de valva aórtica transcateter (Sapien 3 ou Sapien 3 Ultra) (n = 455) vs. vigilância clínica (n = 446). A mediana de acompanhamento foi de 3,8 anos, a idade média dos pacientes foi de 76 anos, 29% eram do sexo feminino. A média de STS foi de 1,8%.
O desfecho primário (morte, acidente vascular cerebral ou hospitalização não planejada por causas cardiovasculares) foi de 26,8% no grupo TAVR vs. 45,3% no grupo de vigilância clínica (razão de risco, 0,50; intervalo de confiança de 95%, 0,40 a 0,63; P<0,001) com NNT relevante de 5,4. Em relação aos desfechos secundários, a mortalidade foi de 8,4% no grupo TAVR comparado a 9,2% no grupo de vigilância clínica. A incidência de acidente vascular cerebral foi menor no grupo TAVR, com 4,2% versus 6,7% no grupo de vigilância. As hospitalizações não planejadas por causas cardiovasculares também foram significativamente reduzidas no grupo TAVR (20,9%) em comparação com o grupo de vigilância (41,7%). Um desfecho favorável em 2 anos, definido como estar vivo e com uma pontuação no Questionário de Cardiomiopatia de Kansas City (KCCQ) ≥75 sem queda superior a 10 pontos em relação ao valor basal, foi alcançado por 86,6% dos pacientes no grupo TAVR, contra 68,0% no grupo de vigilância (p < 0,001). Além disso, sinais e sintomas avançados de doença valvar aórtica sintomática ocorreram em 39,2% dos pacientes do grupo de vigilância, incluindo 37,9% que desenvolveram sintomas nos primeiros 6 meses e 87% foram submetidos a intervenção durante o seguimento. O tempo médio para conversão foi de 11 meses, com um intervalo médio de 32 dias entre o início dos sintomas ou a decisão de intervenção e a realização do procedimento.
Alguns pontos importantes sobre o trabalho. Ao analisar os desfechos separadamente, o benefício ocorreu basicamente às custas de redução de hospitalização. Outro ponto importante observado foi uma conversão significativa para o grupo intervenção muito precocemente com presença de sinais e sintomas avançados de doença valvar aórtica sintomática (edema pulmonar, insuficiência cardíaca classe NYHA III ou IV, síncope ou morte súbita abortada) já nos primeiros 6 meses, sugerindo que a doença no estágio C não tenha um prognóstico favorável no curto prazo. Em parte dessa conversão, a decisão final de fazer TAVI era tomada pelo médico e pelo paciente e a taxa de conversão ocorreu de forma rápida graças ao rigoroso protocolo de vigilância. Os pacientes incluídos no trabalho eram de baixo risco cirúrgico.
Com essas informações e diante de algumas limitações do trabalho, ficam algumas dúvidas: o cronograma rápido para tratamento seria replicável no mundo real, considerando as realidades heterogêneas de assistência à saúde? Esses resultados podem ser generalizados para centros com menor expertise em TAVI? Em pacientes com risco cirúrgico intermediário à alto, os benefícios seriam semelhantes? A taxa de conversão significativa compromete a interpretação dos resultados ao ponto que, na prática, o que parece ter sido comparado foi a estratégia de TAVI precoce e TAVI tardia?
O EARLY TAVR Trial sugere que a realização precoce do TAVI pode ser uma estratégia eficaz para pacientes assintomáticos com estenose aórtica grave, anatomia favorável e de baixo risco cirúrgico, principalmente para a redução de hospitalizações. Apesar dessas novas evidências, será um desafio a viabilidade de se replicar esses resultados de uma forma mais ampla para a maioria dos centros de assistência. Baseadas nas evidências de intervenção cirúrgica (AVATAR e RECOVERY trials) e, agora, com intervenção transcateter, esperemos o posicionamento das futuras diretrizes sobre a condução desses pacientes.
Referências:
Généreux P, Schwartz A, Oldemeyer JB, et al. Transcatheter Aortic-Valve Replacement for Asymptomatic Severe Aortic Stenosis. N Engl J Med. Published online October 28, 2024. doi:10.1056/NEJMoa2405880.
Banovic M, Putnik S, Penicka M, et al. Aortic Valve Replacement Versus Conservative Treatment in Asymptomatic Severe Aortic Stenosis: The AVATAR Trial [published correction appears in Circulation. 2022 Mar;145(9):e761. doi: 10.1161/CIR.0000000000001057]. Circulation. 2022;145(9):648-658.
Kang DH, Park SJ, Lee SA, et al. Early Surgery or Conservative Care for Asymptomatic Aortic Stenosis. N Engl J Med. 2020;382(2):111-119. doi:10.1056/NEJMoa1912846.