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E se o paciente perguntar "Posso fazer Musculação?"
Escrito por
Silvio Povoa
Publicado em
15/12/2023
Exercícios resistidos envolvem a contração muscular contra uma força externa. Quando o paciente pergunta se pode fazer "musculação", na verdade, temos que entender como um conjunto de exercícios resistidos. Os benefícios destes parecem atingir diferentes sistemas, incluindo o cardiovascular. Dados epidemiológicos sugerem que pode haver redução de mortalidade com esses exercícios. Adultos que fazem exercícios resistidos possuem risco de mortalidade por todas as causas aproximadamente 15% menor, e o risco de doenças cardiovasculares comparados com quem não faz 17% menor, comparados a não praticantes.Por causa da sua importância, a American Heart Association atualizou em 2023 a Diretriz sobre o tema.
Benefícios do Exercício Resistido em diferentes contextos clínicos
Pressão arterial
O exercício resistido ajuda a reduzir níveis pressóricos em adultos. Em adultos de meia idade há uma queda média de 4 mmHg de pressão arterial (PAS) sistólica e 2 mmHg de pressão diastólica (PAD) Esse benefício parece ser maior em portadores de pré hipertensão (- 3 mmHg PAS< e -3 mmHg PAD ) e hipertensão arterial sistêmica (-6 mmHg de PAS e - 5 mmHg de PAD)
Glicemia
O exercício resistido pode reduzir 2 a 5 mg/dL da glicemia de jejum em pacientes idosos, pré diabéticos e com diabetes tipo 2. Esse benefício não parece estar presentes em jovens. A Hemoglobina glicada cai em média 0,34% em pacientes idosos com diabetes tipo 2. Pacientes com diagnóstico recente ( <6 anos) e com Hba1c > 7,5% demonstram quedas ainda maiores
Perfil lipídico
Há um benefício, ainda que modesto, dos exercícios resistidos no Lipidograma. O benefício parece ser menor em indivíduos mais jovens HDL: elevação de 2 a 12 mg/dL. Colesterol total : queda de 8 mg/dL Triglicérides: que de 7 a 13 mg/dL
Composição corporal e peso
Em pacientes obesos, aumento de 0,8 kg de massa magra e -1,6% do percentual gordura. Isoladamente o exercício resistido não tem potencial de redução de peso. Fatores de risco não tradicionaisCapacidade cardiorrespiratória: pouco ou moderado ganho em pacientes sem doenças cardiovasculares ( +1 -3 mL/kg/min no vo2 máximo). Em pacientes com doença arterial coronariana esse benefício pode chegar a 17% de ganho de vo2 máximo.Há também estudos demonstrando - redução da rigidez arterial - redução de inflamação - melhora da fibrinólise - melhora de função endotelial - redução de depressão e ansiedade - melhora de qualidade de vida - melhora da qualidade do sono
Exercícios resistidos x Exercícios Aeróbicos x Treinamento combinado. Qual é melhor ?
A combinação de ambos parece ser melhor em redução de fatores de risco cardiovasculares como obesidade, diabetes, hipercolesterolemia.Interessante: indivíduos que não contemplam o mínimo de atividades aeróbicas na semana são menos propensos a participar de exercícios resistidos que aqueles ativos do ponto de vista aeróbio
Exercícios resistidos em Populações específicas
Mulheres
Entre os benefícios citados pela diretriz estão ganho de massa muscular, força, resistência, melhora da composição corporal e do perfil de risco cardiovascular. Prevenção e tratamento de osteoporose. Nos EUA menos de 1/4 da população feminina faz musculação no mínimo 2 vezes por semana. Torna-se um desafio, portanto, tentar diminuir as barreiras para que isso ocorra.
Gestantes e puérperas
De forma geral, o exercício resistido não é apenas seguro como recomendado. A combinação de exercícios resistidos com aeróbios parece ser a mais adequada.
Idosos
Poucos idosos se engajam em Exercício físico resistido. Nos EUA, enquanto 34% dos jovens praticam, apenas 19% da população > 65 anos realizam musculação no mínimo 2x por semana. Há benefício no perfil metabólico, com melhora da glicemia, do lipograma, resistência insulínica e pressão arterial. Há um perfil de dose-resposta. Maiores volumes de treino se associam a maiores benefícios
Pacientes com Insuficiência Cardíaca (IC)
Em pacientes com IC há benefício de ganho de resistência e força muscular, além de elevação média de 2,6 mL/kg/min do vo2 máximo, ganho de 49,9 m no teste de caminhada de 6min . O Exercício Resistido pode ser visto como uma estratégia inicial de reabilitação quando o exercício aeróbio é inapropriado ou inviável dadas as condições clínicas dos pacientes. Combinar exercício aeróbico com exercício resistido parece ser o mais adequado quando possível pela somatória de benefícios
Pacientes com Doença Arterial Periférica.
Em pacientes com limitação para caminhar o exercício resistido pode ser uma alternativa interessante para reabilitação. Há ganho médio de 49,4m no teste de caminhada de 6min Pacientes vivendo com HIV.
Pacientes portadores de HIV
Nesses pacientes é mais frequente a presença comorbidades como doenças cardiovasculares, sarcopenia, fragilidade, mais precocemente que a população em geral. Há desafios singulares desses pacientes uma vez que pode ocorrer piora função mitocondrial e protestase, perda de muscular , lipodistrofia, descondicionamento cardiorrespiratório. O Exercício resistido pode ser interessante para atenuar ou reverter essas alterações
Pacientes com quadros demenciais (Alzheimer e quadros demenciais relacionados)
Há potencial de melhora da função cognitiva em pacientes com quadros demenciais com exercício resistido. O nível basal de comprometimento cognitivo é importante não só para predizer potenciais respostas quanto para a prescrição do treinamento, uma vez que quanto maior o comprometimento cognitivo maior a necessidade de acompanhamento profissional integral.
Pacientes com doença renal crônica
O exercício resistido parece ser efetivo em ganho de massa muscular, redução de gordura intramuscular, melhora do metabolismo muscular, ganhou de força e de capacidade funcional. Há maior risco de frituras e roturas de tendão nessa população, fato que deve ser levado em consideração na prescrição do treinamento
Prescrição do treinamento
Nesse caso o posicionamento avalia antes qual a proposta pro paciente . Diferentes cenários podem indicar diferentes intervenções. Em pacientes de alto risco o início com baixa intensidade é sugerido, com 15-20 repetições com < 40% de 1 RM.Já pacientes que desejam performance esportiva e/ou estética podem se beneficiar de treinos mais intensos, com > 80% de 1 RM e com menor número de repetições (1-6).Aparelhos: pesos livres, peso corporal, máquina e bandas resistentes.Para adultos saudáveis: 8-10 diferentes exercícios envolvendo grupos musculares maiores.1-3 séries de intensidade moderadas que permitam 8-12 repetições , chegando à fadigaProgressão de carga: inicialmente a carga utilizada deve ficar entre 40-60% de 1 Repetição Máxima (1 RM) e então progressivamente essa carga deve ser aumentada.Quando o indivíduo começa a atingir 2 repetições a mais que o planejado a carga pode ser elevada em 2-10% do basal.
Contraindicações ao treinamento resistido
- Doença coronariana instável- IC descompensada- Arritmias atriais e ventriculares não controladas- Hipertensão Pulmonar Importante (Pressão Arterial Pulmonar média > 55 mmHg)- Estenose Aórtica Impotante Sintomática- Hipertensão arterial sistêmica não controlada- Dissecção de Aorta- Síndromede Marfan- Treino de alta intensidade em pacientes com retinopatia proliferativa
Situações que o paciente deve conversar com um médico antes de iniciar
- Cardiodesfibrilador implantável (CDI) e marcapasso- Diabetes- Hipertensão arterial sistêmica- Condições musculoesqueléticas- Histórico de AVC- Baixa capacidade funcional ( < 4 METs)
Segurança dos Exercícios Resistidos
Há menor taxa de sinais e sintomas de isquemia miocárdica , arritmias ventriculares e respostas hemodinâmicas anormais durante exercícios resistidos submáximos e máximos que durante atividades aeróbicas.Em condições como pós operatório de cirurgia cardíaca o exercício aeróbico pode ser preferido uma vez ocorre necessidade de cicatrização de ferida e fratura esternal.
Avaliação Inicial para Contraindicações
- Situações como cardiomiopatias hereditárias requerem cuidados especiais. Nesse caso , a recomendação tradicional é evitar exercícios resistidos. Por outro lado, um posicionamento da AHA sugere exercício resistido de baixa intensidade para pacientes jovens com doenças cardiovasculares. Podem ser utilizadas máquinas, elásticos e calistenia, inicialmente em cargas leves (exemplo < 20% de 1 RM)- Pacientes portadores de marcapasso , CDI ou Ressincronizadores devem ter avaliação e cuidado ao utilizar exercícios para membros superiores pelo risco de fratura de cabos- Em portadores de Diabetes mellitus, atenção especial para hipoglicemia no esforço e disautonomia- Em portadores de HAS, atenção especial para hipotensão no exercício, uma vez que as medicações podem causar desidratação ou bloquear vias de circuitos de compensação da pressão arterial.
Considerações finais
Os benefícios dos exercícios resistidos para a saúde cardiovascular são importantes e envolvem diversos fatores de risco tradicionais e não tradicionaisAinda assim, diversas outras questões devem ser levantadas. Ainda mais pessoas realizam atividades aeróbicas que exercícios resistidos, por mais que a combinação de ambos pareça ser a mais adequada.A acessibilidade a aparelhos e a profissionais que prescrevam o treinamento de forma correta, de forma que os pacientes consigam realizar o movimento correto é algo a ser estudado de forma que políticas públicas e de empresas favoreçam esse acesso.Além disso, torna-se essencial o consumo adequado de proteínas, o que torna importante a figura do nutricionista nesse cenário.Ainda poucas pessoas, apesar dos benefícios, realizam musculação. Cabe aos profissionais de saúde não só estimular como adequadamente orientar.
Referência
Paluch AE, Boyer WR, Franklin BA, Laddu D, Lobelo F, et al. Resistance Exercise Training in Individuals With and Without Cardiovascular Disease: 2023 Update: A Scientific Statement From the American Heart Association. Circulation. 2023 Dec 7. doi: 10.1161/CIR.0000000000001189. Epub ahead of print.