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É preciso suspender a droga anti-reabsortiva antes de um procedimento dentário invasivo?
Escrito por
Erik Trovao
Publicado em
17/2/2022
Para o endocrinonologista que trata osteoporose no seu consultório, é comum se deparar com pacientes que precisam realizar procedimentos dentários invasivos e que foram orientados por seus dentistas a suspender a medicação anti-reabsortiva em uso. Esta conduta decorre do temor de uma das mais graves complicações destas drogas: a osteonecrose de mandíbula (ONM). Esta é definida como a presença de osso mandibular exposto, por no mínimo 8 semanas, em indivíduos que estão em terapia anti-reabsortiva e/ou anti-angiogênica, na ausência de radiação terapêutica prévia no local. Mas será que há, realmente, a necessidade de se suspender a droga anti-reabsortiva como medida preventiva para esta condição?
O primeiro ponto a ser ressaltado é a raridade desta complicação em pacientes que estão em tratamento para osteoporose com bisfosfonatos: abaixo de 0,001% na maioria das séries. A prevalência quando se usa denosumabe também é baixa (quase igual a da população geral). Este risco aumenta, no entanto, na presença de alguns fatores de risco: uso concomitante de glicocorticoide ou inibidores de bomba de prótons, diabetes mellitus, artrite reumatoide, uso prolongado de anti-reabsortivos, infecção ou trauma dentários e câncer. Neste último caso, quando o zoledronato é indicado na presença de metástases ósseas, a dose cumulativa da droga é muito mais alta do que aquela realizada para tratamento da osteoporose e, mesmo assim, a prevalência de ONM ainda é relativamente baixa.
Entretanto, a pausa no tratamento com bisfosfonatos naqueles pacientes que atingem um baixo risco de fratura tem sido recomendada pelas últimas diretrizes. Esta conduta, conhecida como drug holiday tem o objetivo de tentar evitar o surgimento de complicações associadas ao uso crônico destas medicações, especialmente as fraturas atípicas de fêmur. Porém, esta conduta não parece ser efetiva para prevenir ONM. Hasegawa T e colaboradores, em estudo multicêntrico, publicado em 2017 no Journal of Bone and Mineral Metabolism, não encontraram diferença na frequência de ONM entre os grupos que descontinuaram ou mantiveram o bisfosfonato antes de se submeterem à extração dentária.
Portanto, não se recomenda suspender a droga anti-reabsortiva antes de procedimentos dentários, especialmente em pacientes de alto risco para fraturas, nos quais a ocorrência de uma fratura de fragilidade decorrente da pausa no tratamento parece ser muito mais provável do que o risco de ONM. Vale ressaltar que, em caso de tratamento com denosumabe, não se pode considerar pausa na terapia, uma vez que sua suspensão está associada à ocorrência de fraturas múltiplas de vértebras.
Para tentar uniformizar as condutas, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a Associação Brasileira de Avaliação Óssea e Osteometabolismo (ABRASSO) e a Sociedade Brasileira de Estomatologia e Patologia Oral (SOBEP), elaboraram, em 2020, um posicionamento conjunto sobre o tema. Sua conclusão não é diferente: não há necessidade de pausa.
Por outro lado, o consenso brasileiro recomenda uma série de cuidados pré-operatórios para prevenir a ONM: remoção de cáries, cuidadosa higiene oral e profilaxia com antibióticos (amoxicilina com ou sem clavulonato e clindamicina se alergia ao primeiro). A antibioticoterapia deve ser iniciada 48 a 72 horas antes do procedimento e mantida até a completa cicatrização do sítio cirúrgico. Também é recomendado que o dentista escolha a técnica menos invasiva possível.
Em conclusão, deve-se, assim, manter a terapia anti-reabsortiva mas sem se esquecer de orientar medidas preventivas. E, para evitar conflitos de conduta futuros, sugere-se que uma avaliação odontológica seja realizada antes do início da droga anti-reabsortiva. Desta forma, qualquer procedimento dentário invasivo pode ser realizado antes, iniciando-se o bisfosfonato ou o denosumabe após a cicatrização.