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Diretriz de Insuficiência Cardíaca 2024: Mais do Mesmo?
Escrito por
Fernanda Andrade
Publicado em
7/5/2024
Certamente um dos maiores destaques e avanços na cardiologia recente veio dos novos resultados com relação à morbimortalidade na área de insuficiência cardíaca (IC), emergindo com novidades praticamente a cada ano.
A última atualização da diretriz brasileira foi em 2021, um ano repleto de novos estudos e que trouxeram possibilidades de mudanças no tratamento dessa área tão importante, inclusive com conseguinte ação em força-tarefa para mudar diretrizes através dos trials DAPA-HF e EMPEROR-reduced.
Ademais, a partir dos resultados dos estudos (PARADIGM-HF, PIONEER-HF extended, TRANSITION, PROVE-HF), houve mudança nas diretrizes mundiais onde sugere-se (classe IIa) o início do Sacubitril-valsartana (INRA) em pacientes internados por IC aguda descompensada após estabilização clínica e em lugar de IECA/BRA para tratamento de pacientes hospitalizados com IC descompensada. A partir da extrapolação desses resultados há indicação de segurança e tolerabilidade do início de tratamento com INRA na HFrEF nova (34% da casuística do estudo Pioneer-HF e 29% do estudo TRANSITION). Dados a respeito deste tipo de intervenção em longo prazo e com desfechos, como mortalidade, ainda não estão disponíveis. Terapia com IECA/BRA persiste classe I.
Em 2023, a ESC trouxe como novidade a mudança de denominações e pontos de corte da fração de ejeção ventricular (FEVE), onde o Taskforce havia sugerido a mudança da nomenclatura IC de fração de ejeção preservada (HFpEF) para IC de fração de ejeção normal, no entanto não foi aceito. O grande destaque, já sabido porém agora em documentos oficiais, a recomendação de inibidores do SGLT2 (dapagliflozina e empagliflozina). Houve recomendação classe I para redução de desfecho composto de morte e hospitalização em paciente IC de fração intermediária (HFmrEF); com relação às outras medicações como IECA, INRA, BRA, antagonistas da aldosterona e betabloqueador permaneceram com nível de recomendação IIb. Com relação à HFpEF a diretriz não menciona recomendações além de iSGLT2 (classe I), diureticoterapia e tratamento de comorbidades e fatores etiológicos.
Além da abordagem da IC crônica, houve a descrição sobre diureticoterapia otimizada na IC aguda decorrente principalmente do estudo ADVOR que trouxe o uso de acetazolamida versus terapia diurética padrão (RR 1,46; IC 1,17 - 1,82; p < 0,001), com ganho em casos de refratariedade porém sem impacto suficiente para adequação global na prescrição considerando alteração de desfecho e segurança.
Serviços especializados no tratamento de insuficiência cardíaca sempre ressaltaram a importância de combater a inércia terapêutica, e o estudo STRONG-HF trouxe a demonstração de segurança e eficácia na otimização das drogas modificadoras de mortalidade dentro de 6 semanas; o trabalho inclusive foi interrompido precocemente devido à evidente benefício (RR 0.66; IC 0.50-0.86; p = 0.0021). Lembrando que a redução do risco relativo composto é dose-dependente; deste modo, o que você está esperando para otimizar aquele seu paciente IC? Mesmo que em classe funcional (NYHA) I a tentativa de atingir a maior dose tolerada deve ser seu objetivo!
Por último mas não menos importante, destacou-se a suplementação de ferro (carboximaltose férrica ou derisomaltose férrica) via intravenosa para IC de fração de ejeção reduzida (HFrEF) e HFmrEF se ferritina < 100ng/ml ou saturação de transferrina < 20%, com comprovada (HEART-FID trial) melhora em sintomas e qualidade de vida (classe I) e redução de hospitalização por IC descompensada (classe IIa).
A diretriz de IC do AHA/ACC de 2022 traz o manejo da IC, relembro aqui algumas considerações importantes que costumam ser dúvidas do médico no cotidiano:
Pacientes ESTÁGIO A (risco de desenvolver insuficiência cardíaca porém sem sintomas e doença estrutural), o que fazer?
O estudo STOP-HF aborda estes pacientes randomizados com coleta de BNP, se acima de 50 eram direcionados a consulta especializada e realização de ecocardiograma; onde a intervenção precoce reduziu desfecho composto de disfunção sistólica assintomática ou IC recém diagnosticada. Claro, a aplicação de escores preditores aliados a tratamento de fatores de risco com medicações ajustadas para etiologia interferem diretamente no resultado final do quadro.
Qual o seguimento de solicitação de ecocardiograma?
Sugere-se em caso de IAM e após 40 dias do evento; mudança de classe funcional; e 90 dias após terapia medicamentosa otimizada.
Agora, em 2024, o ACC lançou um guia atualizado para os médicos especificamente com relação à HFrEF com base no conhecimento contemporâneo através de 10 questões cruciais e seus algoritmos de tratamento. Outros materiais específicos abordam especificamente a IC aguda, HFpEF e cardiomiopatias.
Dez Questões Cruciais em HFrEF
- Como iniciar, adicionar ou trocar terapias com base em evidências mais recentes e diretrizes de tratamento para HFrEF.
- Como alcançar a terapia ideal considerando múltiplos medicamentos para IC, incluindo avaliação clínica aprimorada (por exemplo, dados de imagem, biomarcadores e pressões de enchimento) que podem desencadear modificações na terapia direcionada por diretrizes.
- Como melhorar a adesão à medicação.
- Como adaptar o tratamento em coortes específicas de pacientes: pacientes afro-americanos, idosos e pacientes com fragilidade.
- Como gerenciar os custos dos pacientes e aumentar o acesso a medicamentos para IC.
- O óbvio também precisa ser dito: os 4 pilares no tratamento com doses máximas toleradas, visto que reduz hospitalização por IC e mortalidade. Não existe uma sequência padrão para início das medicações, dependerá do perfil do paciente clínico e hemodinâmico; idealmente que a terapêutica otimizada seja alcançada dentro de 3 meses.
- Reforça o início da terapêutica com INRA em IC descompensada (de novo) sem exposição prévia ao IECA ou BRA.
- Uso do Vericiguat (trial VICTORIA) em pacientes com terapia otimizada cursando com o chamado “Worsening Heart Failure” - refratariedade, hospitalizações frequentes, aumento progressivo de diureticoterapia (classe IIb).
- A droga melhor tolerada: o iSGLT2 (classe I). E já vamos esclarecer a confusão e medo com relação à função renal:
> É sabido que os efeitos glicosúricos podem ser menos pronunciados se eGFR marcadamente reduzida; no entanto, isso não diminui os benefícios cardiovasculares desta droga. Os ensaios cruciais que examinaram os inibidores de SGLT em HFrEF geralmente tinham limites de eGFR mais baixos de 20 a 30 mL/min/1,73 m²; no entanto, as atualizações recentes das bulas agora têm limites mais baixos de 25 mL/min/1,73 m² para dapagliflozina e sotagliflozina, e nenhum limite inferior para empagliflozina.
> Após o início da medicação é esperada uma diminuição no eGFR em muitos casos devido a um aumento no tônus arteriolar glomerular aferente, o que não significa necessidade de ajustar dose ou interromper o uso exclusivamente com base nesta mudança esperada.
- A partir do quarteto otimizado que o médico poderá começar a pensar em outras estratégias adicionais: medicamentosas ou não (ressincronizador, CDI, reparo de regurgitação mitral
- Barreiras mais comuns: disfunção renal aguda, hipercalemia, hipotensão sintomática, idade avançada, múltiplas comorbidades, fatores socioeconômicos.
Destaco as duas primeiras, o que fazer?
- Atenção maior se doença renal crônica já estabelecida. Checar exames laboratoriais a cada 1-2 semana de início ou reajuste de medicações.
- Ajustar dieta pobre em potássio
- Manter iSGLT2 e considerar ajuste de diurético de alça (ambos ajudam na excreção de potássio)
- Associar quelantes de potássio como o Patiromer (trial DIAMOND), mas vale lembrar que a ausência dele não trará maior número de evento cardiovascular maior, a droga é eficaz em reduzir hiperK severa (HR 0,63) e menor risco de suspensão de medicações essenciais na HFrEF (HR 0,67).
- A variação >30% da função renal deve servir de sinal de ALARME, porém sempre lembre-se de avaliar volemia e diureticoterapia.
Mas e a hipotensão sintomática? “Sempre tenho que reduzir as medicações…”
A hipotensão sintomática pode ter OUTRAS CAUSAS como: diurese excessiva, uso de medicamentos não-CV com efeitos hemodinâmicos - agentes anticolinérgicos, alfa-bloqueadores, antidepressivos, etc), disfunção autonômica ou administração simultânea de múltiplos medicamentos para IC (procure evitar a soma “IECA/BRA/INRA + betabloqueador no mesmo horário).
Tudo isto deve ser abordado antes de decidir reduzir doses de terapias baseadas em evidências. Persiste com quadro refratário? Encaminhar ao especialista em IC.
- Rever a ADESÃO a cada consulta (relembrando o estudo BREATHE no nosso país, foi um fator impactante da descompensação dos casos). Sugestão: follow-up dos casos graves com telemedicina (monitoramento remoto).
6. Quando encaminhar para um especialista em IC.
7. Como aprimorar a coordenação do cuidado.8. Como lidar com a crescente complexidade da IC.9. Como integrar cuidados paliativos.Tabela 6(traduzida)Gatilhos para encaminhamento de pacientes com IC para um especialista/programa cenárioclínico1.IC de início recente (independentemente da FEVE): Encaminhar para avaliação da etiologia, avaliação e manejo orientados por diretrizes, incluindo consideração de exames de imagem avançados, biópsia endomiocárdica ou testes genéticos para avaliação primária de IC “nova”.2.IC crônica com características de alto risco, como desenvolvimento ou persistência de 1 ou mais dos seguintes fatores de risco:• Necessidade de inotrópicos intravenosos crônicos• Classe funcional III-IV da NYHA com sintomas persistentes de congestão ou fadiga• Pressão arterial sistólica ≤90 mmHg ou hipotensão sintomática• Creatinina ≥1,8 mg/dL ou BUN ≥43 mg/dL• Início de fibrilação atrial, arritmias ventriculares ou choques repetitivos do CDI• 2 ou mais visitas ao pronto-socorro ou hospitalizações por piora da IC nos últimos 12 meses• Incapacidade de tolerar doses otimizadas de betabloqueadores e/ou INRA/IECA/BRA e/ou antagonistas mineralocorticóides• Deterioração clínica, indicada por piora do edema, piora dos sintomas, aumento de biomarcadores (BNP, NT-proBNP, outros), piora no teste ergométrico, estado hemodinâmico descompensado ou evidência de remodelamento progressivo nos exames de imagem• Alto risco de mortalidade usando um modelo de risco validado (Seattle Heart Failure Model) para avaliação adicional e consideração de terapias avançadas3.FEVE persistentemente reduzida ≤35% apesar de terapia otimizada por ≥3 meses: Encaminhar para consideração de terapia com dispositivo naqueles pacientes sem colocação prévia de CDI ou TRC, a menos que a terapia com dispositivo seja contraindicada ou inconsistente com os objetivos gerais do tratamento4.Segunda opinião com relação à etiologia da IC; por exemplo:• Doença arterial coronariana e o possível valor da revascularização• Valvopatia e o possível valor do reparo valvar• Suspeita de miocardite• Cardiomiopatias específicas estabelecidas ou suspeitas (por exemplo, cardiomiopatia hipertrófica, cardiomiopatia arritmogênica, doença de Chagas, cardiomiopatia restritiva, sarcoidose cardíaca, amiloidose, estenose aórtica)5.Revisão anual é necessária para pacientes com IC avançada estabelecida, na qual pacientes/cuidadores e médicos discutam terapias atuais e potenciais para eventos previstos e imprevistos, possível trajetória e prognóstico da doença por IC, preferências do paciente e planejamento de cuidados avançados6.Avaliação do paciente para possível participação em um ensaio clínicoIECA = inibidor da enzima conversora de angiotensina; BRA = bloqueadores dos receptores da angiotensina; INRA= inibidor do receptor de angiotensina-neprilisina; BNP = peptídeo natriurético tipo B; BUN = nitrogênio ureico sanguíneo; TRC = terapia de ressincronização cardíaca; FEVE = fração de ejeção do ventrículo esquerdo; CDI = cardioversor-desfibrilador implantável; NT-proBNP = peptídeo natriurético tipo N-terminal pró-B; NYHA = Associação Cardíaca de Nova York- O bom manejo da IC é a base da paliação dos sintomas.O manejo meticuloso das terapias para IC – especialmente agentes diuréticos, componente crítico do manejo dos sintomas e deve continuar até o fim da vida. É necessária atenção para equilibrar as expectativas e orientar decisões oportunas, mas ressalto que a incerteza prognóstica é inevitável e deve ser incluída nas discussões.10. Como gerenciar comorbidades comuns.Vale apenas checar AQUI (colocar link <https://www.jacc.org/doi/10.1016/j.jacc.2023.12.024>), a Tabela 15 classifica as comorbidades e fornece orientação sobre opções de manejo apropriadas, quando possível, bem como referências para diretrizes específicas.
Referências:
Marcondes-Braga FG, Moura LAZ, Issa VS, Vieira JL, Rohde LE, Simões MV, Fernandes-Silva MM, Rassi S, Alves SMM, Albuquerque DC, Almeida DR, Bocchi EA, Ramires FJA, Bacal F, Rossi Neto JM, Danzmann LC, Montera MW, Oliveira Junior MT, Clausell N, Silvestre OM, Bestetti RB, Bernadez-Pereira S, Freitas AF Jr, Biolo A, Barretto ACP, Jorge AJL, Biselli B, Montenegro CEL, Santos Júnior EGD, Figueiredo EL, Fernandes F, Silveira FS, Atik FA, Brito FS, Souza GEC, Ribeiro GCA, Villacorta H, Souza Neto JD, Goldraich LA, Beck-da-Silva L, Canesin MF, Bittencourt MI, Bonatto MG, Moreira MDCV, Avila MS, Coelho Filho OR, Schwartzmann PV, Mourilhe-Rocha R, Mangini S, Ferreira SMA, Figueiredo Neto JA, Mesquita ET. Emerging Topics Update of the Brazilian Heart Failure Guideline - 2021. Arq Bras Cardiol. 2021 Jun;116(6):1174-1212. doi: 10.36660/abc.20210367.Heidenreich PA, Bozkurt B, Aguilar D, Allen LA, Byun JJ, Colvin MM, Deswal A, Drazner MH, Dunlay SM, Evers LR, Fang JC, Fedson SE, Fonarow GC, Hayek SS, Hernandez AF, Khazanie P, Kittleson MM, Lee CS, Link MS, Milano CA, Nnacheta LC, Sandhu AT, Stevenson LW, Vardeny O, Vest AR, Yancy CW. 2022 AHA/ACC/HFSA Guideline for the Management of Heart Failure: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2022 May 3;145(18):e895-e1032. doi: 10.1161/CIR.0000000000001063. Epub 2022 Apr 1. Erratum in: Circulation. 2022 May 3;145(18):e1033. Erratum in: Circulation. 2022 Sep 27;146(13):e185. Erratum in: Circulation. 2023 Apr 4;147(14):e674. PMID: 35363499.McDonagh TA, Metra M, Adamo M, Gardner RS, Baumbach A, Böhm M, Burri H, Butler J, Čelutkienė J, Chioncel O, Cleland JGF, Crespo-Leiro MG, Farmakis D, Gilard M, Heymans S, Hoes AW, Jaarsma T, Jankowska EA, Lainscak M, Lam CSP, Lyon AR, McMurray JJV, Mebazaa A, Mindham R, Muneretto C, Francesco Piepoli M, Price S, Rosano GMC, Ruschitzka F, Skibelund AK; ESC Scientific Document Group. 2023 Focused Update of the 2021 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure. Eur Heart J. 2023 Oct 1;44(37):3627-3639. doi: 10.1093/eurheartj/ehad195. Erratum in: Eur Heart J. 2024 Jan 1;45(1):53. PMID: 37622666.Writing Committee; Maddox TM, Januzzi JL Jr, Allen LA, Breathett K, Brouse S, Butler J, Davis LL, Fonarow GC, Ibrahim NE, Lindenfeld J, Masoudi FA, Motiwala SR, Oliveros E, Walsh MN, Wasserman A, Yancy CW, Youmans QR. 2024 ACC Expert Consensus Decision Pathway for Treatment of Heart Failure With Reduced Ejection Fraction: A Report of the American College of Cardiology Solution Set Oversight Committee. J Am Coll Cardiol. 2024 Mar 2:S0735-1097(23)08354-7. doi: 10.1016/j.jacc.2023.12.024. Epub ahead of print. PMID: 38466244.