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Dieta da tireoide?
Uma das aulas mais comentadas (e elogiadas) do último Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia foi a apresentação da doutora Carolina Ferraz denominada “Dieta da Tireoide: existem evidências?”. Nos últimos anos, tem havido um interesse crescente nos efeitos da nutrição sobre diferentes pontos da homeostase hormonal, particularmente na função tireoidiana. Diversos artigos destacam a influência de diferentes fatores dietéticos e micronutrientes na síntese, metabolismo e função do hormônio tireoidiano. Vamos aos principais pontos?
Iodo
O iodo desempenha um papel essencial na síntese dos hormônios tireoidianos. É absorvido no intestino delgado, principalmente na forma de íons iodeto (I-), transportados pela corrente sanguínea para a glândula tireoide, onde é ativamente absorvido pelas células foliculares da tireoide via um simportador de sódio-iodo (NIS). Dentro das células foliculares, o iodo é incorporado aos resíduos de tirosina na tireoglobulina. Este processo resulta na formação de monoiodotirosina (MIT) e diiodotirosina (DIT), que são acoplados para produzir triiodotironina e tiroxina, os hormônios tireoidianos definitivos.
Portanto, a ingestão adequada de iodo é necessária para manter a função tireoidiana normal. A necessidade diária em adultos fica em torno de 150 mcg, o equivalente a uma concentração urinária de iodo ≥ 100 μg/L. Quase a totalidade de Iodo é armazenado na tireoide.
O consumo excessivo de iodo também pode ter um impacto negativo na função da tireoide. Grandes excessos de iodo bloqueiam sua captação e podem interferir na ação da tireoperoxidase (o efeito Wolff-Chaikoff). A exposição contínua a altos níveis de iodo causa regulação negativa do NIS. A falha desse efeito pode levar tanto ao hipertireoidismo quanto ao hipotireoidismo, especialmente em indivíduos com condições autoimunes pré-existentes. Os limites máximos de segurança para a ingestão de iodo em mulheres grávidas, lactantes e bebês, populações particularmente sensíveis, ainda não foram bem definidos.
A iodização universal do sal é considerada o método mais eficaz para garantir a ingestão suficiente de iodo na população, sendo adotada no Brasil, reduzindo significativamente os casos de deficiência de iodo.
Fontes alimentares
· Tudo do mar: peixe, mexilhão, bacalhau, salmão, pescada, camarão
· Ovo
· Sal de cozinha
Selênio
Em relação a função tireoidiana, o selênio é um componente integral das enzimas glutationa peroxidase (GPx) e iodotironina desiodinases, onde é incorporado como selenocisteína. A GPx está envolvida na produção do H2O2 necessário para a iodação da tireoglobulina pela enzima tireoide peroxidase (TPO), etapa fundamental na produção dos hormônios tireoidianos.
A deficiência de selênio tem sido associada a vários distúrbios da tireoide, incluindo hipotireoidismo, hipotireoidismo subclínico, câncer de tireoide e doenças autoimunes da tireoide (DAT), incluindo Tireoidite de Hashimoto e Doença de Graves.
A deficiência de Selênio também esta associada a redução da função imune, infertilidade, declínio cognitivo e maior risco de câncer de próstata.
De fato, a relação entre os níveis de selênio e doenças parece seguir um padrão de curva em U, com níveis elevados estando associados a maior risco de neoplasias como câncer de pele e de próstata, alopecia, dermatite, diabetes tipo 2 e mortalidade geral.
Potenciais benefícios da suplementação de Selênio:
Na DAT, pode baixar níveis de Anti-TPO porém sem efeito nos níveis de TSH na dose de levotiroxina. Pode haver melhora na qualidade de vida e na ecogenicidade da USG.
Estudos observacionais verificaram baixos níveis de selênio em pacientes com oftalmopatia de Graves (OG). Um único estudo randomizado evidenciou benefícios da suplementação em pacientes com formas leves de OG, sendo essa uma recomendação da diretriz européia sobre o tema. Um outro estudo demonstrou recuperação mais rápida do eutireoidismo em pacientes com hipertireoidismo tratados com metimazol + Selênio
Fontes alimentares:
· Castanha do Pará, Nozes
· Peixes
· Brócolis
· Frango, gema de ovo
· Aveia, linhaça
A Castanha-do-Pará tem elevada concentração de selênio, seu consumo excessivo pode alcançar valores elevados, com risco de overdose.
As necessidades diárias variam entre 55 e 75 mcg com valores séricos em torno de 125mcg/L sendo considerados otimizados.
Em geral, a dieta no Brasil tem níveis adequados de selênio.
Ferro
O ferro é o átomo central nos resíduos ativos da tireoperoxidase, sendo essencial ao funcionamento dessa enzima envolvida em diversas etapas da síntese dos hormônios tireoidianos. A deficiência de ferro e a anemia estão associadas ao hipotireoidismo e ao aumento do volume tireoidiano. No entanto, a interação entre ferro e os hormônios tireoidianos é bidirecional, pois o T3 estimula diretamente a eritropoiese. Cabe ainda lembrar que a Tireoidite de Hashimoto é relacionada a outras condições auto-imunes como a doença celíaca e a gastrite autoimune, condições que podem cursar com má absorção de ferro. É recomendado o rastreio dessas condições em casos de deficiência desse mineral.
Para pacientes com Hashimoto é sugerida a triagem de rotina para deficiência de ferro. Se ferritina < 70 pg/L, fica indicado o tratamento. Em casos associados a má absorção intestinal, considerar a reposição endovenosa. Pacientes com níveis de ferritina entre 70 e 100 mg/L, com sintomas persistentes de hipotireoidismo apesar do TSH normal, devem ser tratados até atingir valores de ferritina > 100 mcg/L. Lembrar os hormônios tireoidianos podem interferir na síntese de ferritina, com níveis reduzidos no hipotireoidismo e elevados no hiper. A ferritina também é uma proteína de fase aguda estando elevada em condições inflamatórias. Desse modo, é recomendado avaliar também a saturação de transferrina para determinar a suficiência de ferro.
Fontes Alimentares
· Carnes vermelhas em geral
· Gema de ovo
· Feijão
· Vegetais verde-escuro
· Beterraba
Vitamina D
Dentre suas funções não relacionadas ao metabolismo do cálcio, a vitamina D desempenha papel importante na regulação imune, com aparente papel protetor contra autoimunidade. De fato, receptores de vitamina D estão presentes na glândula tireoide, indicando um papel potencial na função tireoidiana.
Cabe ressaltar que a literatura disponível ainda é limitada. As metanálises atuais são baseadas em ensaios clínicos não randomizados com alta heterogeneidade, envolvendo estudos com diferentes perfis de função tireoidiana basal, tipos de suplemento de vitamina D e duração do tratamento.
A recomendação segue a regra geral. Na presença de disfunção tireoidiana, a suplementação deve ser oferecida aos indivíduos com valores < 30ng/ml, objetivando manter valores acima desse limiar.
Fontes alimentares:
· Gema de ovo
· Atum, salmão, Tilápia
· Fígado, Frango
· Cogumelos
· Óleo de fígado de bacalhau e de salmão
· SOL*
Zinco
Cofator de diversas enzimas no organismo humano, incluindo a TPO, estando envolvido no processo de síntese de hormônio tireoidiano e na sinalização de seu receptor nos diferentes tecidos. Participa também na síntese de TSH e de tireoglobulina, demonstrando papel em diferentes etapas do adequado funcionamento da tireoide. Além disso, atua como anti-oxidante, reduz resposta inflamatória e a formação de espécies reativas de oxigênio.
Apesar disso, o papel da suplementação de zinco nas disfunções tireoidianas ainda carece de evidências, sendo a recomendação manter níveis dentro da normalidade.
Fontes alimentares:
· Ostras
· Semente de abóbora
· Amêndoas
· Grão de bico
· Caranguejo
Magnésio
Cofator das deiodinases e segundo mensageiro na sinalização do receptor de hormônio tireoidiano. Também tem papel na biodisponibilidade do selênio. A deficiência de Mg é comum na população em geral e tem sido associada a comprometimento da função tireoidiana, distúrbios metabólicos e carcinogênese. Estudos demonstraram maior frequancia de positividade de anticorpos anti-tireoidianos e maior prevalência de hipotireoidismo em casos de deficiência persistente de Mg.
Fontes alimentares:
· Semente de Abóbora
· Espinafre
· Acelga
· Chocolate amargo
· Feijão preto
· Amêndoas, castanha de caju, quinoa
Por fim, destacamos alguns alimentos que podem interferir negativamente na função tireoidiana, principalmente em indivíduos já acometidos pelas doenças autoimunes relacionadas.
Soja e relacionados
Ricos em isoflavonas, componentes potencialmente bociogênicos, por inibição da TPO. Tais efeitos, entretanto, são observados principalmente em pacientes com hipotireoidismo subclínico, tireoidite de hashimoto ou em regiões com deficiência de iodo, situações em que o consumo deve ser moderado.
Vegetais crucíferos
Exemplos: brócolis, repolho, couve-flor e nabo. São ricos em tiocianato, substância que diminui a captação de iodo, com potencial efeito bociogênico. A recomendação é que sejam consumidos cozidos (reduz o tiocianato) e com bastante moderação em indivíduos com disfunção tireoidiana.
Concluindo, não há evidências suficientes para apoiar uso rotineiro de suplementos vitamínicos para melhorar o curso da doença tireoidiana (a não ser que haja deficiência documentada). Cabe ressaltar que uma dieta com excesso de calorias que induza ganho de peso, está associada a elevação dos níveis de TSH e piora de inflamação sistêmica. Uma dieta balanceada com os oligoelementos e vitaminas é fundamental para manter as necessidades diárias recomendadas.