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Diabetes tipo 5: reconhecimento oficial, base fisiopatológica e implicações clínicas

Escrito por
Ícaro Sampaio
Publicado em
14/4/2025

Durante o Congresso Mundial da Federação Internacional de Diabetes (IDF), realizado em abril de 2025 em Bangkok, foi oficialmente reconhecida uma nova categoria de diabetes: o diabetes mellitus tipo 5. Trata-se da antiga entidade conhecida como “diabetes relacionado à desnutrição” (malnutrition-related diabetes mellitus – MRDM), agora nomeada formalmente como um tipo distinto de diabetes. Essa decisão histórica representa um marco para a endocrinologia global, ao resgatar uma condição negligenciada por décadas e dar visibilidade a uma forma de diabetes que afeta populações vulneráveis em países de baixa e média renda.
A categoria MRDM foi inicialmente proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1985, após relatos clínicos acumulados desde a década de 1950, principalmente a partir de observações feitas na Jamaica, Índia, Etiópia e Bangladesh. Os pacientes apresentavam hiperglicemia acentuada, ausência de cetose, necessidade de insulina e fenótipo notadamente magro, geralmente com IMC <19 kg/m². Contudo, em 1999, a OMS retirou formalmente essa classificação, sob a justificativa de que faltavam evidências robustas que ligassem a desnutrição à fisiopatologia do diabetes. O resultado foi o apagamento dessa entidade da literatura ocidental e o subdiagnóstico subsequente de milhares de pacientes, frequentemente rotulados como DM1, com importantes consequências terapêuticas.
Esse panorama começou a mudar com o avanço das pesquisas clínicas conduzidas em países com alta prevalência dessa forma atípica de diabetes. Um ponto de inflexão importante ocorreu com a publicação, em 2022, do artigo “An Atypical Form of Diabetes Among Individuals With Low BMI” no periódico Diabetes Care. No estudo, pesquisadores liderados por Meredith Hawkins avaliaram 73 homens indianos, dos quais 20 preencheram critérios compatíveis com a antiga definição de MRDM. Por meio de técnicas de ponta, como clamp hiperinsulinêmico-euglicêmico e espectroscopia por ressonância magnética, foi possível caracterizar de maneira inédita o perfil metabólico dessa condição, agora formalmente reconhecida como diabetes tipo 5.
O que diferencia o diabetes tipo 5 de outras formas de diabetes é, principalmente, seu mecanismo fisiopatológico. Diferentemente do diabetes tipo 2, no qual predomina a resistência insulínica associada à obesidade e à disfunção beta-pancreática progressiva, o tipo 5 é caracterizado por uma deficiência primária na secreção de insulina, com preservação da sensibilidade à insulina, tanto periférica quanto hepática. No estudo de 2022, a captação periférica de glicose (Rd) durante o clamp foi significativamente maior no grupo com tipo 5 do que no grupo com DM2 (10,1 ± 0,7 vs. 4,2 ± 0,5 mg/kg/min; p < 0,001), e a produção hepática de glicose (EGP) foi menor (0,50 ± 0,1 vs. 0,84 ± 0,1 mg/kg/min; p < 0,05). Isso desmonta a antiga hipótese de que a desnutrição induziria resistência à insulina.
Por outro lado, o tipo 5 também se distingue do diabetes tipo 1. Embora esses pacientes sejam muitas vezes diagnosticados como DM1 por apresentarem início precoce e baixo IMC, eles não apresentam autoanticorpos (GAD-65 e IA-2), mantêm secreção residual de insulina (C-peptídeo >0,5 ng/mL) e, sobretudo, são resistentes à cetose. Essa ausência de cetonúria, mesmo diante de hiperglicemias graves, é atribuída à preservação mínima de insulina basal e a um perfil hormonal que evita mobilização excessiva de ácidos graxos e cetogênese — algo impensável no DM1 clássico. Portanto, o tipo 5 representa uma forma insulinopênica, mas não autoimune, de diabetes.
A composição corporal desses pacientes também contribui para o entendimento do quadro clínico. No estudo citado, indivíduos com tipo 5 apresentaram menor gordura visceral, menor conteúdo lipídico hepático e menor massa muscular em comparação aos DM2. Seu perfil lipídico mostrava menores níveis de triglicérides e ácidos graxos livres, além de menor infiltração gordurosa hepática — reforçando a dissociação com o fenótipo da síndrome metabólica.
Esse perfil fisiopatológico tem implicações terapêuticas relevantes. O reconhecimento da secreção endógena residual de insulina e da sensibilidade insulínica indica que a insulinoterapia, embora necessária em muitos casos, deve ser usada com cautela, sob risco de hipoglicemias. O tratamento inadequado, assumindo um diagnóstico de DM1, pode expor o paciente a esquemas intensivos desnecessários. Por outro lado, a simples introdução de antidiabéticos orais, como seria feito no DM2, pode ser insuficiente. Ainda não há diretrizes oficiais, mas emergem hipóteses terapêuticas que envolvem pequenas doses de insulina basal associadas a secretagogos e intervenções nutricionais específicas, com foco em aumentar a ingestão proteica, reduzir carboidratos e corrigir carências micronutricionais.
Estudos futuros serão necessários para validar essas estratégias. O reconhecimento do diabetes tipo 5 pela IDF representa não apenas uma reparação histórica, mas também um chamado à ação.