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Diabetes Mellitus Gestacional: novos critérios a caminho?
Escrito por
Luciano França de Albuquerque
Publicado em
22/8/2022
O diabetes mellitus gestacional (DMG) é a alteração metabólica mais comum da gravidez. Pode ser definido como disglicemia que se inicia durante a gestação, porém não preenche os critérios diagnósticos de DM fora deste período. Os riscos incluem altas taxas de parto induzido, parto cesáreo, pré-eclâmpsia e nascimento de um bebê grande para a idade gestacional (GIG). O DMG afeta de 3 a 25% das gestações, dependendo do grupo étnico e do critério diagnóstico utilizado. O rastreio precoce do DMG, já na primeira consulta de pré-natal, fornece oportunidade de reduzir o risco de anomalias congênitas, além de alertar para a necessidade de rastreamento e tratamento das complicações crônicas em mulheres que desconheciam o diagnóstico.
Em 2010, utilizando-se os achados do estudo HAPO, a International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups (IADPSG) sugeriu rastreio universal para as gestantes entre 24 e 32 semanas usando o TOTG com os seguintes pontos de corte ≥ 92 mg/dL, ≥ 180 mg/dL e ≥ 153 mg/dL para glicemias em jejum, 1 e 2 horas. Apenas um valor alterado seria suficiente para o diagnóstico. Embora adotados pela maioria das sociedades, esses valores não são unanimidade mundial.
Nesta última edição do NEJM foi publicado o estudo GEMS, desenvolvido na Nova Zelândia, país que ainda utiliza pontos de corte mais elevados para o rastreio do DMG. Trata-se de um ensaio randomizado e controlado que utilizou dois conjuntos diferentes de valores de limiar glicêmico na triagem do DMG, um grupo com critérios mais baixos (já citados) e outro com níveis mais altos (≥ 99 mg/dL e ≥ 162 mg/dL para jejum e 2h, respectivamente). O desfecho primário foi o nascimento de uma criança GIG (peso acima do percentil 90 para a idade gestacional). Foram analisados vários desfechos secundários neonatais, principalmente medidas antropométricas. Outros desfechos como trauma ao nascimento, índice de Apgar menor que 4 em 5 minutos, doença respiratória e hipoglicemia foram analisados como medidas de segurança.
TOTGCritérios atuaisCritérios do estudoJejum92991h180-2h153162
Um total de 4.061 mulheres foram randomizadas. Como esperado, o diagnóstico de DMG foi mais frequente no grupo dos critérios mais baixos (15,3% vs 6,1%). A frequência de bebês GIG foi semelhante entre os grupos (178 (8,8%) vs 181 (8,9%), RR, 0,98; CI 95%, 0,80 a 1,19; P=0,82). Indução do trabalho de parto, uso de serviços de saúde, uso de agentes farmacológicos e hipoglicemia neonatal foram mais comuns no grupo de critérios glicêmicos mais baixos. Os resultados para os outros desfechos secundários foram semelhantes nos dois grupos de estudo e não houve diferenças substanciais de eventos adversos. Baseado nesses resultados, os autores concluem que o uso de critérios glicêmicos mais baixos para o diagnóstico de diabetes gestacional não resultou em menor risco de um bebê GIG.
Entretanto, foi realizada uma análise de subgrupo pré-especificada, que incluiu mulheres cujo resultado do TOTG caiu entre os critérios glicêmicos mais baixos e mais altos (GJ 92 – 99 mg/dl, 1h > 180mg/dl e 2h 153 – 192 mg/dl), ou seja, onde a mudança de critérios faria verdadeira diferença. Os resultados de 195 mulheres que receberam tratamento para diabetes gestacional foram comparados com os de 178 mulheres que não receberam. Entre as mulheres incluídas no no grupo de critérios glicêmicos mais baixos houve menor incidência de bebês GIG (12 de 195 [6,2%] vs. 32 de 178 [18,0%]; RR, 0,33; IC 95%, 0,18 a 0,62). O número ajustado de mulheres necessárias para diagnosticar e tratar diabetes gestacional para prevenir um bebê GIG neste subgrupo foi de 4 (IC 95%, 2 a 17). Outras medidas antropométricas infantis, incluindo a incidência de macrossomia, também foram menores no grupo com critérios glicêmicos mais baixos. Um desfecho grave de saúde ocorreu em 1 de 195 bebês (0,5%) no grupo de critérios glicêmicos mais baixos e em 7 de 178 bebês (3,9%) no grupo de critérios glicêmicos mais altos. A hipoglicemia neonatal foi detectada e tratada com mais frequência no grupo com critérios glicêmicos mais baixos do que no grupo com critérios glicêmicos mais altos (53 de 195 [27,2%] vs. 16 de 178 [9,0%]). Outros resultados secundários de saúde infantil e o uso de serviços de saúde foram semelhantes nos dois grupos de estudo.
Nesta análise de subgrupo, as mães com critérios glicêmicos mais baixos tiveram menor ganho de peso (10,0 kg vs. 11,9 kg), bem como uma incidência menor de pré-eclâmpsia (1 de 195 [0,5%] vs. 10 de 178 [5,6%]). O tratamento farmacológico para diabetes gestacional foi muito mais comum entre as mulheres no grupo de critérios glicêmicos mais baixos (124 de 195 [63,6%] vs. 4 de 178 [2,3%]). A utilização de serviços de saúde foi maior entre as mulheres do grupo de critérios glicêmicos mais baixos, que tiveram mais visitas ao serviço de diabetes, especialista em diabetes, enfermeira em diabetes e nutricionista. Outros desfechos maternos não diferiram substancialmente entre os dois grupos.
Para esse subgrupo, os dados sugerem benefícios de saúde materna e infantil clinicamente importantes, pelo menos no curto prazo. Bebês nascidos GIG têm maiores riscos futuros de obesidade, hipertensão e diabetes, portanto, será necessário seguimento para avaliar benefícios de longo prazo. O DMG é um fator de risco conhecido para o desenvolvimento de problemas cardiometabólicos em mulheres; assim, é necessário um acompanhamento das mães para avaliar se o tratamento de mulheres com diabetes gestacional leve tem benefícios cardiometabólicos maternos posteriores. Considerando que o tratamento inicial do DMG é feito com modificações de estilo de vida, baseadas em dieta e atividade física regular, a sensibilização do diagnóstico pelo emprego de limiares glicêmicos mais baixos parece ser uma conduta ainda bastante razoável e que deve ser mantida.