Diabetes gestacional: a insulina segue soberana?

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Dados americanos recentes apontam que até 8% das gestantes têm diabetes gestacional. Está bem estabelecido, mesmo nos quadros de diabetes gestacional “leve”, que o tratamento com medidas de estilo de vida, automonitoramento da glicemia e (se necessário) medicação reduz o risco de crescimento fetal excessivo, uma complicação da hiperglicemia na gravidez ligada à morbidade perinatal, incluindo distócias, lesões mecânicas e hipoglicemia neonatal. Cerca de 40% dos vão necessitar alguma intervenção farmacológica para alcançar as metas glicêmicas específicas da gestação. A insulinoterapia segue sendo a opção de escolha para esses casos.

Nas últimas duas décadas, agentes orais, como a metformina e a glibenclamida, foram apontados como alternativas potenciais ao tratamento com insulina para diabetes gestacional e diabetes pré-existente, considerando principalmente a comodidade posológica, o menos custo e melhor aceitação entre as pacientes. A American Diabetes Association alerta contra o uso de metformina e glibenclamida como agentes de tratamento de primeira linha para diabetes gestacional devido à preocupação de que esses agentes atravessam a placenta, com dados ainda limitados sobre segurança a longo prazo na prole. No entanto, um estudo publicado em 2022 relatou que 69% das grávidas com diabetes gestacional nos EUA recebem metformina ou glibenclamida. O NICE no Reino Unido recomenda a metformina como agente farmacológico primário para diabetes gestacional, e um estudo de 2023 descobriu que 59% das gestantes com diabetes gestacional no Reino Unido iniciam a metformina quando o tratamento farmacológico é necessário.

Novos dados sobre o tópico foram apresentados em estudo multicêntrico holandês publicado na revista JAMA. Trata-se de um estudo de intervenção, prospectivo, randomizado, de não inferioridade. Foram randomizadas 820 pacientes, com idade média de 33 anos e com diabetes gestacional entre 16 e 34 semanas de gestação que tiveram controle glicêmico insuficiente após 2 semanas de mudanças na dieta (definidas como glicemia de jejum >95 mg/dL, glicose pós-prandial de 1 hora >140 mg /dL ou glicose pós-prandial de 2 horas >120 mg/dL). As participantes foram randomizadas para tratamento com metformina (iniciada com uma dose de 500 mg uma vez ao dia e aumentada a cada 3 dias até 1.000 mg duas vezes ao dia ou a dose máxima tolerada; n = 409) ou insulina (titulada de acordo com a prática local; n = 411). A glibenclamida foi adicionada à metformina e, em seguida, substituída pela insulina, se necessário, para atingir as metas de glicose no grupo com terapia oral inicial.

O desfecho primário foi a diferença na porcentagem de bebês nascidos grandes para a idade gestacional (peso ao nascer > percentil 90 com base na idade gestacional e no sexo). Os desfechos secundários incluíram hipoglicemia materna, parto cesáreo, hipertensão induzida pela gravidez, pré-eclâmpsia, ganho de peso materno, parto prematuro, lesão mecânica no nascimento, hipoglicemia neonatal, hiperbilirrubinemia neonatal e internação em unidade de terapia intensiva neonatal.

Entre as participantes em uso de agentes orais, 79% (n = 320) mantiveram o controle glicêmico sem insulina. Neste grupo, 23,9% dos bebês (n = 97) foram grandes para a idade gestacional versus 19,9% (n = 79) com insulina (diferença de risco absoluto, 4,0%; IC 95%, -1,7% a 9,8%; P = 0,09 para não inferioridade), com o intervalo de confiança excedendo a margem absoluta de não inferioridade de 8%. Hipoglicemia materna foi relatada em 20,9% com agentes hipoglicemiantes orais e 10,9% com insulina (diferença de risco absoluto, 10,0%; IC 95%, 3,7%-21,2%). Todos os outros desfechos secundários não diferiram entre os grupos.

Algumas limitações importantes deste estudo merecem menção. Primeiro, o rastreio de diabetes gestacional foi baseado na presença de fatores de risco (em vez do rastreio universal recomendado no Brasil) o que possivelmente aumenta o risco de má resposta nas pacientes selecionadas. O momento do diagnóstico foi heterogêneo, alguns dos quais foram diagnosticados no início da gravidez, onde existe maior risco de falha com a metformina. Embora os alvos glicémicos utilizados para determinar a necessidade de início ou escalonamento da farmacoterapia estivessem alinhados com os cuidados padrão, a frequência de monitorização não foi padronizada. Assim, não se sabe até que ponto a glibenclamida e a insulina podem ter sido utilizadas em excesso ou subutilizadas no grupo de medicamentos orais. Finalmente, o ensaio foi aberto, sem controle com placebo, portanto, suscetível a um viés importante.

Temos alguns outros estudos importantes publicados recentemente sobre o tema. O estudo EMERGE, publicado em 2023, encontrou um risco menor de nascimento grande para a idade gestacional em bebês de participantes randomizados para tratamento com metformina versus placebo no diagnóstico de diabetes gestacional. Outros 2 grandes estudos corroboraram esse menor risco (MiTy e MOMPOD), porém com a metformina sendo adicionada à insulina em gestantes com diabetes tipo 2. O uso de metformina na gravidez continua a ser controverso porque a metformina atravessa facilmente a placenta e foi associada em alguns (mas não todos) estudos ao nascimento de bebês pequenos para a idade gestacional e ao maior índice de massa corporal na infância. Outro desfecho com risco aumentado, o nascimento prematuro, tem resultados divergentes entre os estudos.

Considerando o custo, a complexidade e a carga emocional associada à terapia com insulina, além da dificuldade em atingir metas rigorosas em parte das pacientes, seguimos em busca de alternativas seguras e efetivas. A metformina já apresenta dados de segurança para uso em casos mais leves e com diagnóstico em fases mais tardias da gestação, além de poder ser adicionada a terapia com insulina nos casos de controle mais difícil. Por enquanto, a insulina segue como recomendação principal.