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Diabetes e COVID-19: controle glicêmico nos pacientes hospitalizados
Escrito por
Luciano França de Albuquerque
Publicado em
7/3/2022
Diabetes é um importante fator de risco para formas mais graves de COVID-19. Estudos recentes apontam ainda a capacidade do vírus em infectar as células beta do pâncreas, levando a redução da secreção de insulina. O tecido adiposo também expressa grande quantidade de receptores para o SASR-COV-2, com níveis reduzidos de adiponectina e maior resistência insulínica nos indivíduos acometidos. A hiperglicemia limita a reposta imune e pode ainda facilitar a replicação viral. Nesse contexto, o controle glicêmico durante a doença, particularmente em pacientes hospitalizados, torna-se um grande desafio. Vamos conhecer algumas particularidades?
Todos os pacientes devem ser questionados sobre histórico de diabetes na admissão hospitalar. A verificação da glicemia e da HbA1c também deve ser rotina nesse momento. Níveis de HbA1c ≥ 7,5% estão associados a maior risco de morte (RR 1,95 vs não diabéticos). O exame ainda ajuda na detecção de hiperglicemia de estresse, quando se verifica HbA1c < 6,5% em pacientes sem diagnóstico de diabetes e que evoluem com hiperglicemia (> 140mg/dl em jejum ou ≥ 180mg/dl ao acaso). O prognóstico dessa condição é ainda pior, com mortalidade hospitalar chegando a 41,7% contra 14,8% naqueles com diabetes previamente conhecido.
A insulina é o tratamento de escolha para o controle glicêmico. O regime basal bolus é recomendado em pacientes não críticos, objetivando manter glicemia entre 140 e 180 mg/dl. A dose diária total inicial é de 0,4–0,6 UI/kg, sendo 50% de insulina basal (NPH, Detemir ou Glargina) e 50% de insulina rápida (regular ou análogos) distribuída nas 3 refeições principais. A dose inicial pode ser reduzida (0,2 a 0,3 UI/Kg) em pacientes com idade superior a 70 anos ou com disfunção renal (ClCr < 60 mL/min). Pacientes em uso de glicocorticoides podem exigir doses mais elevadas. Pacientes com formas graves, em UTI, devem receber insulinoterapia em infusão venosa contínua, com monitorização a cada 1h e ajuste conforme protocolo de cada serviço.
Além da insulina, alguns fármacos foram testados para uso no contexto hospitalar. Agentes como aGLP1, iDPP4 e pioglitazona têm ação anti-inflamatória e poderiam hipoteticamente beneficiar pacientes diabéticos com COVID. Dados observacionais retrospectivos, em pacientes não hospitalizados, demonstraram benefícios em continuar o uso desses medicamentos. Estudo retrospectivo também demonstrou redução de mortalidade por COVID em diabéticos com uso prévio de metformina (RR 0,33). No estudo prospectivo randomizado DARE-19, a dapagliflozina não reduziu o desfecho primário de morte ou disfunção orgânica. De fato, houve uma incidência 20% menor de tais desfechos, porém sem significância estatística. A medicação foi bem tolerada, com baixa incidência de eventos adversos e baixo risco de cetoacidose.
Mesmo diante da bem-vinda redução no número de casos graves e hospitalizações por COVID-19, é fundamental que os profissionais de saúde estejam atentos aos riscos relacionados à hiperglicemia e às particularidades do seu manejo no ambiente hospitalar. Monitorização glicêmica adequada, com pronta instituição da insulinoterapia e reconhecimento das principais complicações (notadamente hipoglicemia e cetoacidose) são peças-chave para alcançar desfechos favoráveis e salvar vidas.
Referência:Mendes, T.B., Câmara-de-Souza, A.B. & Halpern, B. Hospital management of hyperglycemia in the context of COVID-19: evidence-based clinical considerations. Diabetol Metab Syndr14, 37 (2022). https://doi.org/10.1186/s13098-022-00808-x