Desmistificando a alergia aos anestésicos locais (AL)

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Não é infrequente chegar um paciente no consultório referindo que teve alguma alergia ao anestésico local utilizado nos procedimentos médicos e odontológicos. Nesse momento, é importante levantarmos alguns questionamentos: será que é comum ter uma reação adversa ao anestésico local? Qual ou quais anestésicos foram utilizados? Quais veículos e conservantes foram utilizados para produção do anestésico? E Qual tipo de reação o paciente apresentou, foi só na pele, foi sistêmica?

     Há aplicações de Milhões de injeções de anestésicos locais diárias em todo mundo e as reações adversas são raras, sendo as reações de hipersensibilidade <1% das reações adversas. As reações de hipersensibilidade descritas mais frequentemente são de tipo I e de tipo IV. A Tipo I:  hipersensibilidade imediata, IgE  mediada.  Caracteriza-se pela liberação de histamina e outros mediadores dos mastócitos e basófilos, após ligação do alérgeno a pelo menos duas moléculas de IgE na superfície destas células. A libertação destes mediadores induz aumento da permeabilidade vascular e contração do músculo liso, que se  traduz  na  clínica  por  urticária,  angioedema,  broncospasmo  ou  hipotensão.  A  gravidade  é  condicionada  pela  quantidade e tempo de exposição ao alérgeno e da via de administração. Geralmente ocorre segundos a minutos após exposição ao alérgeno, mas pode surgir até 4 h depois.  A reação tipo IV: reações mediadas por linfócitos T, de início mais  tardio  (ex:  dermatite  de  contato),  em  que  ocorre  sensibilização após exposição dos linfócitos T ao alérgeno apresentado pelas células de Langerhans. A reexposição provoca  a  libertação  de  citocinas  pelas  células  T  de  memória, com ativação de células T efetoras, células endoteliais e queratinócitos. As manifestações surgem 24 a 48h após a exposição, mas podem ser detectadas horas após a administração do fármaco.  

     Para entendermos qual anestésico local está mais relacionado ao quadro de reação de hipersensibilidade , é importante nos familiarizarmos com sua estrutura química.    Na sua estrutura molecular distinguem-se três porções: um  anel  aromático  (lipofílico),  uma  cadeia  intermédia  e  um grupo amina (hidrofílico). São considerados amidas: Lidocaína, Mepivacaína, Bupivacaína Prilocaína, Ropivacaína Articaína Cinchocaína e são considerados estér : Cocaína, Tetracaína , Procaína Oxibuprocaína, Benzocaína ,Clorprocaína e Isobucaína. Os ésteres são os que possui mais potencial   alergênico  e, isso acontece, pois são metabolizados pela pseudocolinestares séricas em ácido para-aminoben-zóico (PABA) que tem um pontencial alergênico conhecido. Já os anestésicos  amidas ,as reações alérgica  é muito mais rara já que não dão origem ao PABA. Além da substância do anestésico ,deve ser avaliado certos  compostos  adicionados  como  conservantes (parabenos, sulfitos) que pode ser os vilões do quadro alérgico.  

    Para finalizar , é importante  definir se a reação que anestésico ocasionou é do tipo imediata ou tardia.  Nos casos de reação tipo imediata , onde clinicamente o paciente pode ter urticária e/ou angioedema, broncoespasmo, estridor , disfagia , disfonia , hipotensão , minutos após administração de anestésicos tópicos, solicitamos uma avaliação com Testes cutâneos em picada com anestésico em causa ou alternativo , se reação grave. Deve  também  ser  feito  o  teste  em picada com extrato de látex, para exclusão de sensibilização. Caso esse teste dê negativo , podemos continuar avaliação com Prova  de provocação que consiste na administração subcutânea seriada de doses crescentes do AL e deve ser realizada sempre sob vigilância médica especializada.  Na reação tardia, clinicamente observamos eritema e edema local tardio ou dermatite de contato, podemos lançar mão de testes epicutâneos que se for negativos , a reação não é considerada alérgica.  

     É importante recordar que as reações alérgicas aos anestésicos locais são muito raras (sobretudo anafilaxia), mas dado o risco de vida inerente, todos os profissionais de saúde devem estar aptos a identificá-las e instituir o tratamento adequado. Quando há suspeita de uma reação alérgica aos AL, o objetivo é realizar um estudo diagnóstico individualizado que nos permita fornecer ao doente um fármaco que seja seguro. Não podemos esquecer que a sensibilização ao látex deve ser sempre excluída pela história clínica e realização de testes cutâneos.

Mascarenhas MI, Silva SL, Mendes A, Santos AS, Pedro E, Barbosa MP. Alergia aos anestésicos locais [Hypersensitivity to local anesthetics]. Acta Med Port. 2011 Mar-Apr;24(2):293-8. Portuguese. Epub 2011 May 20. PMID: 22011602.