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DAPA-HF: Dapagliflozina muda desfechos na insuficiência cardíaca?
Escrito por
Jefferson Vieira
Publicado em
2/9/2019
Finalmente o aguardado DAPA-HF foi apresentado no congresso da ESC, e como todo grande ensaio clínico que veio para mudar paradigmas, trouxe algumas dúvidas com ele.
Em resumo, o DAPA-HF randomizou pacientes com ICFER sintomática (definida com FE ≤40% e CFNYHA ≥ II) para dapagliflozina 10 mg/d (n = 2.373) ou placebo (n = 2.371), independente do diagnóstico prévio de diabetes (DM).
Vale lembrar que “placebo”, nesse tipo de estudo, não se trata de uma terapia inteiramente inerte: todos os participantes receberam o melhor tratamento disponível baseado em evidências, sendo a dapagliflozina a única diferença entre os grupos. Nesse caso, 96% dos participantes estavam recebendo um betabloqueador, 94% um inibidor do sistema renina-angiotensina (iECA/BRA), 71% um antagonista dos receptores mineralocorticóides (ARM) e 11% o sacubitril/valsartan. Essa informação é importante e voltaremos a ela mais tarde.
A maioria dos participantes do estudo era do sexo masculino (77%), com uma idade média de 67 anos; 45% deles eram diabéticos. Foram excluídos indivíduos com depuração glomerular estimada < 30 ml/min/1.73 m2, hipotensão sintomática ou PAS < 95 mm Hg e DM 1. Após um follow-up médio foi de 18 meses, a dapagliflozina reduziu em 26% o risco de morte cardiovascular e piora da IC (definida como atendimento de urgência que tenha necessitado terapia IV ou hospitalização por IC) comparada ao placebo. Um achado muito interessante é que o tamanho desse benefício foi quase idêntico entre os pacientes com e sem DM 2 (25% e 27% de redução, respectivamente). Analisados separadamente, morte cardiovascular e piora da IC foram significativamente reduzidas nos pacientes tratados com dapagliflozina (18 e 30% respectivamente). Além disso, a dapagliflozina reduziu o risco de morte por todas as causas em 17%. Esses percentuais são impressionantes e comparáveis aos de outros estudos recentes e bem-sucedidos como o EMPHASIS-HF e o PARADIGM-HF. A dapagliflozina ainda melhorou significativamente o escore de qualidade de vida KCCQ, sem piorar a função renal ou aumentar outros eventos adversos.
Baseado nos estudos DECLARE, EMPA-REG e CANVAS, as diretrizes do ACC e da American Diabetes Association já autorizavam considerar o uso de inibidores da SGLT2 em doentes com DM e HbA1c > 7%, independente da presença de ICFER. O DAPA-HF é a primeira evidência de benefício das gliflozinas em não-diabéticos, o que deve ampliar a indicação limitada pela HbA1c. No entanto, o próprio autor do estudo, Dr. John McMurray, da Universidade de Glasgow (e coincidentemente autor do PARADIGM-HF também) ainda não recomenda usar inibidores da SGLT2 nos pacientes que não tenham DM. Isso porque os não-diabéticos eram apenas um subgrupo do DAPA-HF e, na opinião dele, as agências regulatórias devem primeiro revisar a indicação que, por ora, permanece off-label.
Numa análise post-hoc, o DAPA-HF ainda sugeriu benefício consistente da dapagliflozina naqueles 11% de pacientes que já estavam usando sacubitril/valsartan. Embora tenha sido uma subanálise com número pequeno de eventos e um intervalo de confiança bem largo, os autores acreditam que o benefício das drogas deve ser aditivo, uma vez que a dapagliflozina e o sacubitril/valsartan atuam em vias diferentes. Isso levantou uma questão sobre os custos com o tratamento da IC, cada vez maiores. Embora estudos de custo-efetividade já tenham favorecido o sacubitril/valsartan quando comparado ao enalapril, ainda não há nenhum tipo de análise de custo para a dapagliflozina nesse cenário. No Brasil então, essa dinâmica pode ser ainda mais complicada. No entanto, muitos especialistas acreditam que em breve o tratamento padrão da ICFER será composto por betabloqueador, sacubitril/valsartan, espironolactona e um inibidor da SGLT2, no lugar dos diuréticos de alça.