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Consumo de bebidas alcoólicas com moderação realmente é benéfico para o coração?
Escrito por
Eduardo Lapa
Publicado em
15/8/2017
Já falamos bastante sobre os efeitos do álcool sobre o coração no Cardiopapers (veja, por exemplo, este post e este outro). Hoje vamos falar sobre o maior estudo já publicado sobre o impacto do consumo de bebidas alcoólicas na sobrevida geral, publicado no periódico JACC. ANtes de mais nada, alguns conceitos:
- o consumo de bebidas alcoólicas pode ser quantificado de forma objetiva de maneira simples. Para saber como, veja este post.
- os guidelines americanos recomendam que o consumo de bebidas alcoólicas não ultrapasse 2 drinks/dia em homens e 1 drink/dia em mulheres.
- Não há dúvidas que o consumo alto de bebidas alcoólicas é deletério por aumentar o risco de várias doenças (hepatopatia alcoólica, fibrilação atrial, etc).
- A grande questão é se o consumo leve ou moderado é realmente benéfico para a saúde. Esta dúvida surge do fato dos estudos conduzidos a este respeito terem falhas metodológicas importantes. Exemplo: muitas vezes pessoas que já beberam muito no passado mas que estão sem consumir nada há algum tempo costumam ser catalogados no grupo de indivíduos abstêmios, o que obviamente gera um fator de confusão. Desta forma, alguns estudos dizem que o consumo mais brando de álcool é protetor enquanto que outros não observaram esta relação.
Para tentar resolver este último tópico, o estudo que iremos discutir avaliou uma população grande (mais de 330.000 pessoas) e introduziu como novidade a avaliação se o paciente era abstêmio durante toda a vida (ou seja, nunca ingeriu bebida alcoólica) ou se era abstêmio no momento mas no passado já havia consumido regularmente bebidas alcoólicas. Além disso, avaliou também a influência do binging (ou seja, consumo intenso em um único dia).Resultados:
- Em comparação com pessoas que nunca consumiram bebidas alcoólicas, indivíduos que fazem consumo baixo ou moderado de álcool tiveram redução tanto de mortalidade geral (em cerca de 21%) como de doenças cardiovasculares (em torno de 26%).
- Já pacientes que faziam uso de grande quantidade de álcool tiveram aumento de mortalidade geral (em 11%) e de casos de câncer (em 27%). Lembrar que neste estudo a definição de consumo alto de álcool era >14 drinks por semana para homens e >7 drinks por semana para mulheres.
- Indivíduos que faziam binge ou menos uma vez por semana também tiveram aumento de mortalidade geral e de casos de câncer. O binge-drinking neste estudo era definido como consumo de 5 ou mais drinks no mesmo dia.
Opiniões pessoais:
- Este estudo confirma a chamada curva em J na relação álcool x mortalidade. O que é isso? Basicamente diz que, diferente de cigarro em que qualquer quantidade é nociva à saúde, no caso do álcool há uma quantidade pequena que pode ser consumida regularmente e que é benéfica para o indivíduo. Passando-se desta quantidade, aí começam a surgir os efeitos deletérios.
- O que eu devo falar para o meu paciente que não bebe nada? Oriento-o a começar a tomar algo diariamente? A princípio, não. Oriente em relação aos inúmeros outros comportamentos saudáveis (alimentação, exercícios físicos, etc).
- E se meu paciente consumir uma quantidade baixa/moderada de álcool? Segue o jogo. Não muda nada.
- Pacientes com consumo alto ou que fazem binge-drinking devem ser formalmente orientados a diminuir ou cessar o uso de bebidas alcoólicas. É importante o médico ter esta noção do binge. Muitos pacientes quando vão reportar o consumo semanal de bebida alcoólica já dizem a média de cervejas que tomam por semana, por exemplo. Mas é bem diferente tomar 7 latas em um só dia ou 1 lata por dia os 7 dias da semana. A primeira forma aumenta mortalidade segundo o estudo. A segunda, diminui.
- Os mecanismos através dos quais o consumo de bebidas alcoólicas pode diminuir a mortalidade são vários: aumento do HDL, diminuição da agregação plaquetária, melhora da função endotelial, entre outros.
Referência: Xi B et al. Relationship of Alcohol Consumption to All-Cause, Cardiovascular, and Cancer-Related Mortality in U.S. Adults. J Am Coll Cardiol 2017.