Como usar a metodologia POCUS para medir a função do ventrículo esquerdo?

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Como usar a metodologia POCUS para medir a função do ventrículo esquerdo?

A metodologia POCUS (Point of Care UltraSound) corresponde a utilização do ultrassom por médicos treinados mas não especialistas na técnica, funcionando como uma extensão do exame clínico na tomada imediata de decisão. Com a ampla disponibilidade de aparelhos e portabilidade dos mesmos é inevitável que esse tipo de abordagem seja amplamente utilizada em ambientes abrangendo emergência, terapia intensiva e até cenários menos críticos como enfermarias e consultório.

Em cardiologia, a informação mais buscada por quem inicia o treinamento POCUS, sem sombra de dúvida, é a função ventricular esquerda: imprescindível em cenários de investigação de dispnéia, choque e suspeita de DAC por exemplo.

A avaliação da função do VE envolve 2 passos:

1 ) Análise subjetiva – requer um certo treinamento e experiência, mas importante tanto para definir situações extremas com função nitidamente normal ou muito alterada, quanto para julgar se a análise objetiva está próxima da realidade. Para isso é importante prestar atenção tanto na movimentação quanto no espessamento dinâmico das paredes do VE. Na prática = avaliar o quanto a cavidade se reduz durante a sístole.

Imagem paraesternal mostrando contração normal do ventrículo esquerdo (parede se espessando e cavidade reduzindo durante a sístole) - pela avaliação subjetiva temos FUNÇÃO VENTRICULAR NORMAL - o que seria suficiente na metodologia POCUS. Na mesma imagem, caso exista dúvida, já que os bordos do VE estão bem delimitados e a qualidade técnica encontra-se satisfatória, pode-se objetivamente medir o diâmetro diastólico e sistólico final do VE que servirão para o cálculo da fração de encurtamento e de ejeção do VE.

Exemplo de paciente com função sistólica normal do VE

Exemplo de paciente com disfunção sistólica moderada de VE

Exemplo de paciente com disfunção sistólica grave de VE

2 ) Análise objetiva – apesar do cálculo da fração de ejeção e da fração de encurtamento serem os mais utilizados na prática, são métodos que infelizmente possuem alta variabilidade interobservador principalmente quando a imagem não é satisfatória (bordos não nítidos) ou existem angulações do coração.

(Se quiser saber mais como calcular a fração de ejeção do VE leia esse artigo)

E qual seria então a opção para estimar a função objetivamente com menor risco de erro (menor variação interobservador)

I ) MAPSE (do inglês Mitral Annular Plane Systolic Excursion )– o MAPSE corresponde a incursão sistólica do anel mitral lateral medida no modo-M (corte 4 câmaras). Por não exigir boa qualidade de imagem e ser facilmente medida, essa incursão se encaixa idealmente no requisito POCUS (rápido, fácil e reprodutível).

Método: Utilizando o modo-M alinhado ao anel mitral lateral no corte apical 4C se obtém a movimentação desse anel. Método que requer pouco treinamento, com pouca variação interobservador (basicamente a habilidade exigida é a de obter a janela apical 4 câmaras)

MAPSE (Valor normal): >11mm - Se <6mm indica GRAVE disfunção do VE

II ) MAPSS’ (Mitral Annular Plane Systolic S') – Medido ao Doppler Tecidual

Utilizando o mesmo corte e alinhamento do MAPSE, posiciona-se a amostra do Doppler tecidual no anel lateral mitral e irá se obter a curva de velocidade tecidual do mesmo, com uma velocidade sistólica (positiva no gráfico, que corresponde a onda S’ – de sístole) e algumas velocidades negativas (que medem a função diastólica). A medida da amplitude de S’ tem correspondência com a função sistólica do VE.

MAPSS’ (Valor Normal) > 8cm/s

O interessante do método MAPSS' é que nessa imagem acima, é possível identificar a primeira onda negativa após a onda S' que corresponde a onda E'. A onda E', por ter mais que 10cm/s nesse caso indica que a função diastólica encontra-se NORMAL, mas isso já é assunto para outro POST ;-)