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Como tratar a Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Preservada?
Escrito por
Jefferson Vieira
Publicado em
18/7/2016
A insuficiência cardíaca (IC) com fração de ejeção preservada (ICFEP) é responsável por aproximadamente 50% dos casos de IC e a tendência é que essa proporção continue a aumentar devido ao envelhecimento da população e da prevalência de hipertensão, obesidade e diabetes. Diferente da IC com fração de ejeção reduzida (ICFER), em que há forte evidencia de redução de mortalidade através do bloqueio neuro-humoral, o tratamento da ICFEP permanece empírico apesar da alta prevalência e do prognóstico ruim. Essa diferença na resposta terapêutica, somada a padrões diferentes de remodelamento, sugere que a ICFEP e a ICFER sejam doenças distintas.
A ICFEP é mais comum em mulheres idosas, com elevada prevalência de obesidade, hipertensão, diabetes, insuficiência renal e fibrilação atrial. Na ausência de evidências que suportem terapias específicas para a ICFEP, é proposto um tratamento direcionado para o controle das comorbidades e do quadro clínico (tabela). Na ICFEP da doença coronariana, por exemplo, indica-se a revascularização mais completa possível. A seguir, vamos abordar algumas estratégias farmacológicas disponíveis e suas indicações no tratamento da ICFEP.
FÁRMACOS CONSIDERADOS SEGUROS:
Diuréticos: Os doentes com ICFEP são muito sensíveis a variações do volume e da pré-carga. O uso de diuréticos associado à restrição salina na ICFEP permite reduzir a pressão venosa pulmonar e, consequentemente, os sintomas de congestão. O estudo CHAMPION mostrou que a monitorização da pressão pulmonar através do dispositivo implantável CardioMEMS pode guiar o aumento nas doses diuréticas e reduzir em quase 50% as re-hospitalizações por IC.
Moduladores do Eixo Renina-Angiotensina: A ativação do eixo renina-angiotensina-aldosterona contribui para a elevação da pressão arterial, estimula a retenção de sódio e água, promove fibrose do miocárdio e hipertrofia ventricular, assim, a modulação neuro-humoral deste eixo é teoricamente benéfica nos doentes com ICFEP. Os iECAs/BRAs apresentam outros efeitos benéficos em uma população com múltiplas comorbidades como hipertensão arterial, diabetes, doença coronária ou insuficiência renal crônica. Perindopril, candesartan e espironolactona, testados nos estudos PEP-CHF, CHARM-Preserved e TOPCAT respectivamente, reduziram re-hospitalizações mas sem aumento significativo da sobrevida. A espironolactona, no entanto, reduziu mortalidade no subgrupo de pacientes com BNP elevado (BNP >100 pg/ml ou NT- proBNP >360 pg/ml). É importante ressaltar que iECA/BRA, espironolactona e diuréticos são excelentes escolhas para o tratamento da hipertensão arterial associada, presente em 80% dos pacientes com ICFEP.
Estatinas: Os efeitos pleiotrópicos e antiinflamatórios das estatinas estão associados com a modulação da função endotelial, a estabilização da placa aterosclerótica e a redução do estresse oxidativo. Estudos observacionais sugerem redução da incidência de fibrilação atrial, mas ainda faltam evidências para indicar estatinas na ICFEP.
PODEM SER USADOS COM CAUTELA EM CASOS SELECIONADOS:
Betabloqueadores: Os betabloqueadores têm potenciais benefícios no tratamento da ICFEP: reduzem a frequência cardíaca, aumentam a duração da diástole e o tempo de enchimento ventricular, reduzem a demanda miocárdica de oxigênio e diminuem a pressão arterial. Por outro lado, estes efeitos benéficos são parcialmente atenuados pelo atraso do relaxamento ventricular e têm efeitos inotrópicos e lusitrópicos negativos. A disfunção diastólica avançada tem um volume de ejeção fixo e a diminuição da frequência cardíaca é acompanhada pela redução do débito cardíaco, com consequente agravo dos sintomas. O Nebivolol, testado no estudo SENIORS, mostrou que no subgrupo de doentes com FE > 35% houve uma tendência, não significativa, de redução de morte e hospitalização cardiovascular. Contudo, é importante lembrar que este subgrupo com “fração de ejeção preservada” se encontra “contaminado” por doentes com disfunção sistólica ventricular esquerda devido ao cut-off baixo de 35%. Justamente por vieses de seleção como esse que a sociedade europeia propôs a criação de uma nova subcategoria de classificação com fração de ejeção limítrofe (ICFEL).
Sildenafil: O sildenafil é um potente inibidor seletivo da fosfodiesterase tipo 5 (iPDE5) que aumenta a disponibilidade de GMPc e gera vasodilatação. Apresenta efeitos benéficos sobre a função endotelial e pode ser indicado no tratamento da hipertensão arterial pulmonar, comum na ICFEP devido a altas pressões de enchimento e a vasoconstrição pulmonar. No entanto, o estudo RELAX não mostrou benefício do sildenafil na capacidade física de pacientes com ICFEP, além de piorar a função renal provavelmente por hipoperfusão renal secundária a vasodilatação e hipotensão.
EM ESTUDO:
Inibidores da Neprilisina e dos Receptores de Angiotensina (valsartan/sacubitril): O Sacubitril (componente inibidor do receptor da neprilisina) estimula mecanismos antifibróticos e antihipertróficos. O estudo PARAMOUNT demonstrou o benefício do valsartan/sacubitril em pacientes com ICFEP, associado a menores níveis de NTpró-BNP, melhora da classe funcional NYHA e redução das dimensões do átrio esquerdo. A partir destes achados, o estudo multicêntrico PARAGON-HF, atualmente em andamento, vai avaliar mortalidade e internação nestes pacientes.
EVIDÊNCIA INSUFICIENTE:
Hidralazina e nitrato: associação de vasodilatadores que ajudariam a reduzir as pressões de enchimento. Contudo, essa associação ainda não foi objeto de análise em ensaios clínicos de grande porte. O uso isolado de mononitrato de isossorbida não melhorou nem a capacidade física nem a qualidade de vida de pacientes com ICFEP.
Ivabradina: O inibidor específico da corrente if no nó sinusal causa a redução seletiva da frequência cardíaca, mas sem atraso no relaxamento ventricular e nem efeitos sobre o inotropismo como os betabloqueadores. Pacientes com ICFEP apresentam incompetência cronotrópica, em especial aqueles com disfunção diastólica restritiva, e a redução da FC pode ser mal tolerada e acompanhada por piora na capacidade física.
TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO DA ICFEP: A obesidade é uma das comorbidades mais comuns na ICFEP. A combinação de uma dieta hipocalórica com treinamento físico (ambos supervisionados) melhora qualidade de vida, capacidade física, desempenho cardiopulmonar, massa muscular e função diastólica avaliada pelo ecocardiograma.
RESUMO: A ICFEP é uma síndrome complexa, diversificada, desencadeada por múltiplas comorbidades e de difícil classificação. Os poucos ensaios clínicos disponíveis sobre tratamento farmacológico na ICFEP foram decepcionantes pois nenhum dos agentes testados evidenciou beneficio significativo na sobrevida dos doentes. Exercício físico e perda de peso são os melhores tratamentos para melhorar a capacidade física e a qualidade de vida. As drogas de primeira escolha para tratar a hipertensão arterial na ICFEP são iECA/BRA, espironolactona e diuréticos, pois reduzem hospitalizações. Sildenafil pode ser usado em portadores de hipertensão pulmonar secundária. A droga nova valsartan/sacubitril (LCZ696, Entresto®) está em estudo e parece ser promissora.