Como resolver a intolerância aos betabloqueadores na insuficiência cardíaca?

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Como resolver a intolerância aos betabloqueadores na insuficiência cardíaca?

As diretrizes de insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER) indicam a prescrição de betabloqueadores (BB) nas doses-alvo dos estudos ou na maior dose tolerada. Entretanto, registros internacionais e ensaios clínicos contemporâneos demonstram que mais de 50% dos pacientes não recebem a dose-alvo dos estudos e, destes, 2/3 não receberam qualquer ajuste nos últimos 90 dias.

As razões para a subutilização dos BB são multifatoriais. A intolerância pode ser real ou presumida e os motivos mais comuns são: piora dos sintomas de IC, bradicardia e hipotensão sintomática. Algumas comorbidades como a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e a doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) permanecem um desafio clínico para alguns.

Estratégias para melhorar a tolerância aos BB podem ser tão simples quanto um reajuste na prescrição de diuréticos ou outras drogas. Além disso, a tolerância pode ser afetada pelo BB específico escolhido. Em uma análise retrospectiva de 2003, 80% dos pacientes considerados “intolerantes” a um determinado BB foram tratados com sucesso com outro, e essa troca de BB resultou em uma taxa final de tolerância em torno de 90%. Os mecanismos de ação dos BB já foram discutidos aqui, e seus benefícios na ICFER são atribuídos à atenuação da atividade simpática crônica. No entanto, os estudos mostram não haver “efeito de classe” e cada BB tem suas próprias qualidades, devendo ser usado de acordo com as características, necessidades e demandas específicas do paciente.

Sugestões práticas:

  • DPOC com broncoespasmo
    • O bisoprolol e o nebivolol, seguidos pelo metoprolol, têm alta β1-seletividade com pouca ação sobre os receptores β2 pulmonares (embora essa seletividade diminua com a progressão da dose) e devem ser priorizados;
    • Na dúvida, uma espirometria pode ser realizada com e sem o BB de escolha antes de começar seu uso crônico;
  • Bradicardia dose-dependente
    • Revisar a prescrição e suspender drogas que causam bradicardia e que não tenham impacto em mortalidade (é extremamente comum encontrarmos pacientes com digoxina e em subdose de BB);
    • Priorizar o carvedilol que no estudo CIBIS-ELD demonstrou ser menos bradicardizante que o bisoprolol;
  • Hipotensão sintomática
    • Revisar a prescrição e suspender drogas hipotensoras que tenham menor evidência de benefício, como diuréticos (especialmente em pacientes “secos”), hidralazina, nitratos, bloqueadores do canal de cálcio, inibidores da fosfodiesterase-5, psicofármacos, etc...;
    • Evitar o carvedilol por ser um BB não-seletivo com efeito adicional α-bloqueador, antioxidante e vasodilatador, com maior efeito hipotensor que os outros BB;
  • DAOP, claudicação intermitente ou doença de Raynaud
    • Priorizar o carvedilol devido aos efeitos de vasodilatação, embora não haja evidência de que outros BB possam piorar a doença arterial periférica;
    • Na dúvida, progredir a dose do BB escolhido de forma lenta e gradual;
  • Diabete Melito / Dislipidemia
    • Os BB são seguros na DM, mas podem mascarar sintomas de hipoglicemia;
    • O benefício clínico é similar independente do BB escolhido, mas o estudo GEMINI (em hipertensos sem IC) apontou um perfil melhor do carvedilol sobre HbA1c, resistência a insulina e microalbuminúria quando comparado ao metoprolol;
  • Distúrbios do sono
    • O metoprolol é lipofílico e, portanto, tem maior penetração na barreira hematoencefálica sendo mais propenso a causar distúrbios do sono, como insônia e pesadelos;
  • Disfunção erétil
    • O nebivolol está relacionado à melhora na função erétil graças ao estimulo da liberação de óxido nítrico pelo endotélio vascular. Entretanto, estudos demonstraram que a disfunção erétil está mais associada com a expectativa do paciente pelos efeitos colaterais do BB do que com o uso do BB em si;
    • Tratar ansiedade e/ou depressão e associar o sildenafil se indicado;
    • Revisar a prescrição em busca de outras drogas associadas a disfunção erétil;

Na troca entre BB recomenda-se que a dose equivalente do novo BB seja reduzida pela metade para atenuar os efeitos colaterais, especialmente se o BB novo for o carvedilol devido ao bloqueio α. Além disso, não é recomendado trocar de BB durante um período de descompensação da IC.

Após essas medidas, alguns poucos pacientes ainda podem permanecer intolerantes. Nesses casos a sociedade européia recomenda o uso da ivabradina, lembrando que os benefícios da ivabradina observados no SHIFT foram impulsionados mais pela redução de hospitalização do que por redução de mortalidade.

Bhatt AS, DeVore AD, DeWald TA, et al. Achieving a Maximally Tolerated b-Blocker Dose in Heart Failure Patients: Is There Room for Improvement? J Am Coll Cardiol 2017;69:2542–50