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Como resolver a intolerância aos betabloqueadores na insuficiência cardíaca?
Escrito por
Jefferson Vieira
Publicado em
18/8/2017
As diretrizes de insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER) indicam a prescrição de betabloqueadores (BB) nas doses-alvo dos estudos ou na maior dose tolerada. Entretanto, registros internacionais e ensaios clínicos contemporâneos demonstram que mais de 50% dos pacientes não recebem a dose-alvo dos estudos e, destes, 2/3 não receberam qualquer ajuste nos últimos 90 dias.
As razões para a subutilização dos BB são multifatoriais. A intolerância pode ser real ou presumida e os motivos mais comuns são: piora dos sintomas de IC, bradicardia e hipotensão sintomática. Algumas comorbidades como a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e a doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) permanecem um desafio clínico para alguns.
Estratégias para melhorar a tolerância aos BB podem ser tão simples quanto um reajuste na prescrição de diuréticos ou outras drogas. Além disso, a tolerância pode ser afetada pelo BB específico escolhido. Em uma análise retrospectiva de 2003, 80% dos pacientes considerados “intolerantes” a um determinado BB foram tratados com sucesso com outro, e essa troca de BB resultou em uma taxa final de tolerância em torno de 90%. Os mecanismos de ação dos BB já foram discutidos aqui, e seus benefícios na ICFER são atribuídos à atenuação da atividade simpática crônica. No entanto, os estudos mostram não haver “efeito de classe” e cada BB tem suas próprias qualidades, devendo ser usado de acordo com as características, necessidades e demandas específicas do paciente.
Sugestões práticas:
- DPOC com broncoespasmo
- O bisoprolol e o nebivolol, seguidos pelo metoprolol, têm alta β1-seletividade com pouca ação sobre os receptores β2 pulmonares (embora essa seletividade diminua com a progressão da dose) e devem ser priorizados;
- Na dúvida, uma espirometria pode ser realizada com e sem o BB de escolha antes de começar seu uso crônico;
- Bradicardia dose-dependente
- Revisar a prescrição e suspender drogas que causam bradicardia e que não tenham impacto em mortalidade (é extremamente comum encontrarmos pacientes com digoxina e em subdose de BB);
- Priorizar o carvedilol que no estudo CIBIS-ELD demonstrou ser menos bradicardizante que o bisoprolol;
- Hipotensão sintomática
- Revisar a prescrição e suspender drogas hipotensoras que tenham menor evidência de benefício, como diuréticos (especialmente em pacientes “secos”), hidralazina, nitratos, bloqueadores do canal de cálcio, inibidores da fosfodiesterase-5, psicofármacos, etc...;
- Evitar o carvedilol por ser um BB não-seletivo com efeito adicional α-bloqueador, antioxidante e vasodilatador, com maior efeito hipotensor que os outros BB;
- DAOP, claudicação intermitente ou doença de Raynaud
- Priorizar o carvedilol devido aos efeitos de vasodilatação, embora não haja evidência de que outros BB possam piorar a doença arterial periférica;
- Na dúvida, progredir a dose do BB escolhido de forma lenta e gradual;
- Diabete Melito / Dislipidemia
- Os BB são seguros na DM, mas podem mascarar sintomas de hipoglicemia;
- O benefício clínico é similar independente do BB escolhido, mas o estudo GEMINI (em hipertensos sem IC) apontou um perfil melhor do carvedilol sobre HbA1c, resistência a insulina e microalbuminúria quando comparado ao metoprolol;
- Distúrbios do sono
- O metoprolol é lipofílico e, portanto, tem maior penetração na barreira hematoencefálica sendo mais propenso a causar distúrbios do sono, como insônia e pesadelos;
- Disfunção erétil
- O nebivolol está relacionado à melhora na função erétil graças ao estimulo da liberação de óxido nítrico pelo endotélio vascular. Entretanto, estudos demonstraram que a disfunção erétil está mais associada com a expectativa do paciente pelos efeitos colaterais do BB do que com o uso do BB em si;
- Tratar ansiedade e/ou depressão e associar o sildenafil se indicado;
- Revisar a prescrição em busca de outras drogas associadas a disfunção erétil;
Na troca entre BB recomenda-se que a dose equivalente do novo BB seja reduzida pela metade para atenuar os efeitos colaterais, especialmente se o BB novo for o carvedilol devido ao bloqueio α. Além disso, não é recomendado trocar de BB durante um período de descompensação da IC.
Após essas medidas, alguns poucos pacientes ainda podem permanecer intolerantes. Nesses casos a sociedade européia recomenda o uso da ivabradina, lembrando que os benefícios da ivabradina observados no SHIFT foram impulsionados mais pela redução de hospitalização do que por redução de mortalidade.