Como prevenir a hipercalemia causada pela espironolactona

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Como prevenir a hipercalemia causada pela espironolactona

No tratamento dos pacientes com insuficiência cardíaca (IC) e fração de ejeção reduzida(ICFER), alguns medicamentos são considerados essenciais pelas diretrizes por promoverem redução de mortalidade. São eles os inibidores da ECA/antagonistas do receptor de angiotensina, inibidor de neprilisina, betabloqueadores, antagonistas do receptor mineralocoticóide (ARM) e os inibidores de SGLT2, sendo recomendados pelas diretrizes vigentes como Classe I1. Entretanto, um desafio comum na prática clínica com os ARM é a ocorrência de hipercalemia. O aumento dos níveis de potássio causado por esta classe (cujo fármaco disponível no Brasil é a espironolactona; mais detalhes sobre o uso deste medicamento em https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/como-eu-uso-espironolactona/) pode levar à suspensão do medicamento e com isso o paciente deixa de receber um medicamento essencial no seu tratamento. Maneiras de prevenir a hipercalemia em pacientes com IC em uso de espironolactona são bastante desejadas e consistem em uma necessidade clínica não atendida.

Esta questão foi estudada no estudo DIAMOND, publicado por Butler e cols. no periódico European Heart Journal2. Neste estudo, 878 pacientes com ICFER e classe funcional II-IV e histórico de hipercalemia foram randomizados para patiromer, uma resina capaz de reduzir a absorção de potássio no trato gastro-intestinal, versus placebo. Os pacientes do estudo completavam uma fase inicial chamada de run-in, em que todos recebiam o patiromer a fim de otimizar ao máximo as doses de ARM, seguido da randomização. O desfecho primário do estudo foi a diferença entre os níveis de potássio entre os dois grupos. Após um seguimento mediano de 27 semanas, os pacientes do grupo patiromer tiveram níveis de potássio menor do que o grupo placebo (diferença média entre os grupos de 0,1 mEq/L; intervalo de confiança 95% 0,07 a 0,13; P < 0,001). Além disso, a ocorrência de hipercalemia (potássio > 5,5) foi reduzida com o patiromer em relação ao placebo (13,9% versus 19,4%, respectivamente; P = 0,006). O patiromer foi bem tolerado, sendo os eventos adversos mais comuns diarréia (4,3%), constipação (2,5%) e náusea (0,9%). A taxa de descontinuação foi igual nos grupos patiromer e placebo.

O que estes resultados sugerem e como devem ser interpretados? O estudo foi bem conduzido e por ter um desenho randomizado, aparentemente os vieses foram bem controlados. Destaque também o fato de ter sido duplo-cego, e o desfecho primário ser um parâmetro objetivo, portanto, sem influência do viés de aferição. Entretanto, uma grande limitação do estudo foi o fato de o seu desenho ter sido modificado após o início, de uma amostra inicialmente planejada de 2400 pacientes para 878 pacientes. Tal mudança ocorreu em virtude das dificuldades de recrutamento dos participantes devido à COVID-19. Apesar disso, os investigadores de maneira correta e habilmente mudaram o desfecho primário a fim de preservar o poder do estudo para uma pergunta clinicamente relevante.

Dito isso, podemos dizer que o uso de patiromer é capaz de prevenir a hipercalemia em pacientes em uso de espironolactona e outros ARM. Entretanto, a diferença modesta no nível de potássio entre os grupos e o fato de que a maioria dos pacientes mesmo no grupo placebo conseguiram tolerar o ARM nos fazem pensar que talvez nós estejamos negando sem justificativa um medicamento capaz de reduzir a mortalidade. De fato, apesar de a hipercalemia ser um problema a ser considerado em pacientes utilizando a espironolactona, possivelmente ela seja superestimada. Além das resinas, outras formas de prevenir a hipercalemia por espironolactona podem estar justamente no uso de outras medicações capazes de reduzir mortalidade na ICFER, como os inibidores de SGLT2 (conforme já comentado anteriormente neste blog: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/isglt2-reduzem-o-risco-de-hipercalemia-veja-o-que-mostrou-esta-metanalise/ ). De toda sorte, a chegado do patiromer pode mudar o cenário no tratamento da ICFER permitindo maior uso de terapias capazes de reduzir mortalidade.

REFERÊNCIAS

  • McDonagh TA, Metra M, Adamo M, Gardner RS, Baumbach A, Böhm M, Burri H, Butler J, Čelutkienė J, Chioncel O, Cleland JGF, Coats AJS, Crespo-Leiro MG, Farmakis D, Gilard M, Heymans S, Hoes AW, Jaarsma T, Jankowska EA, Lainscak M, Lam CSP, Lyon AR, McMurray JJV, Mebazaa A, Mindham R, Muneretto C, Francesco Piepoli M, Price S, Rosano GMC, Ruschitzka F, Kathrine Skibelund A; ESC Scientific Document Group. 2021 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure. Eur Heart J. 2021; 42(36): 3599-3726. (https://academic.oup.com/eurheartj/article/42/36/3599/6358045?login=false)
  • Butler J, Anker SD, Lund LH, Coats AJS, Filippatos G, Siddiqi TJ, Friede T, Fabien V, Kosiborod M, Metra M, Piña IL, Pinto F, Rossignol P, van der Meer P, Bahit C, Belohlavek J, Böhm M, Brugts JJ, Cleland JG, Ezekowitz J, Bayes-Genis A, Gotsman I, Goudev A, Khintibidze I, Lindenfeld J, Mentz RJ, Merkely B, Montes EC, Mullens W, Nicolau JC, Parkhomenko A, Ponikowski P, Seferovic PM, Senni M, Shlyakhto E, Cohen-Solal A, Szecsödy P, Jensen K, Dorigotti F, Weir MR, Pitt B. Patiromer for the management of hyperkalemia in heart failure with reduced ejection fraction: the DIAMOND trial. Eur Heart J. 2022 Jul 28:ehac401 (https: https://academic.oup.com/eurheartj/advance-article/doi/10.1093/eurheartj/ehac401/6651164?login=false)