Como fica a cronoterapia no tratamento da hipertensão arterial após os resultados do BedMed trial?

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              O racional da cronoterapia busca alinhar o horário da tomada de medicamentos de acordo com o ritmo biológico. Na hipertensão arterial, propõe que a tomada de medicamentos seja realizada à noite, restaurando o padrão "dipping" e prevenindo picos matinais de pressão que podem justificar o aumento do risco de infarto do miocárdio e de acidente vascular cerebral nas primeiras horas da manhã.

              Esse tema é controverso pois trabalhos mais recentes mostram resultados distintos de trabalhos anteriores sobre o assunto.

              Alguns estudos anteriores sugeriram benefícios da cronoterapia:

• MAPEC Trial (2010): estudo prospectivo com 2156 hipertensos. Após um acompanhamento mediano de 5,6 anos, os indivíduos que ingeriram ≥1 medicamentos para redução da PA na hora de dormir tiveram um risco relativo significativamente menor de eventos cardiovasculares totais do que aqueles que ingeriram todos os medicamentos ao acordar (0,39[0,29-0,51]; número de eventos 187 versus 68; p < 0,001).

• Hygia Trial (2019): incluiu 19.084 pacientes hipertensos. Os resultados do Hygia mostraram que dose diária inteira de ≥1 medicamentos para hipertensão na hora de dormir tiveram uma razão de risco significativamente menor do desfecho primário de doenças cardiovasculares [0,55 (IC 95% 0,50–0,61), P  < 0,001].

               Esses trabalhos foram bastante criticados pois apresentam falhas metodológicas que comprometem a validade de suas conclusões. Entre as críticas, estão a inclusão de pacientes com pressão arterial normal e tratados no mesmo grupo e a ausência de informações claras sobre os valores basais de pressão arterial em cada subgrupo.  

               Nesse contexto, alguns trabalhos publicados recentemente tentam resolver essas controvérsias.

               Em 2023, uma metanálise de vários estudos sobre cronoterapia mostrou que, quando os dados de único centro foram omitidos, a administração noturna de medicamentos anti-hipertensivos reduziu significativamente a pressão arterial ambulatorial noturna, mas sem efeito em outros parâmetros de pressão arterial ambulatorial e na redução de desfechos cardiovasculares.

               O TIME Trial publicado no Lancet em 2022, realizado no Reino Unido, com mais de 21.000 pacientes, com seguimento de mais de cinco anos, comparou a eficácia da administração matinal versus noturna dos anti-hipertensivos e concluiu que não houve diferença significativa nos desfechos cardiovasculares entre os dois grupos. O tempo até a primeira ocorrência de um evento (desfecho primário) ocorreu em 362 (3,4%) participantes do tratamento noturno (0,69 eventos [IC de 95% 0,62-0,76] por 100 pacientes-ano) e em 390 (3,7%) do tratamento matinal (0,72 eventos [IC de 95%0,65-0,79] por 100 pacientes-ano; razão de risco não ajustada 0,95 [IC de 95%0,83-1,10]; p=0,53).

              O BedMed Trial, publicado recentemente, fornece maiores evidências sobre a cronoterapia no tratamento da hipertensão arterial. O trabalho mostrou que a administração de anti-hipertensivos a noite não traz impacto significativo na redução de eventos cardiovasculares. O BedMed incluiu 3.357 pacientes hipertensos no Canadá entre março de 2017 e dezembro de 2023. O desfecho primário de MACE ocorreu em 9,7% participantes no grupo da hora de dormir e em 10,3% no grupo da manhã (razão de risco ajustada [HR] 0,96; intervalo de confiança [IC] de 95% 0,77–1,19;p=0,70). Não houve diferenças nos resultados de segurança e hospitalização por todas as causas e atendimentos em pronto-socorro entre os grupos.  

              Como fica a cronoterapia no tratamento da hipertensão arterial após os resultados do BedMed? As evidências que se somam sobre o tema sugerem que o horário de administração dos anti-hipertensivos não é uma estratégia que deve ser recomendada no tratamento da hipertensão visando redução de desfechos cardiovasculares. Segue a premissa de que o melhor horário é aquele que se adequa à rotina e às necessidades do paciente, de forma a maximizar a adesão ao tratamento.

Referências:

1. Lemmer, Björn, and Martin Middeke. “Insufficient reply by Hermida et al. to the critical comments to the MAPEC and HYGIA studies.” Chronobiology international vol. 37,8 (2020): 1269.doi:10.1080/07420528.2020.1812901.

2. Maqsood, Muhammad Haisum et al.“Timing of Antihypertensive Drug Therapy: A Systematic Review and Meta-Analysisof Randomized Clinical Trials.” Hypertension (Dallas, Tex. : 1979) vol. 80,7(2023): 1544-1554. doi:10.1161/HYPERTENSIONAHA.122.2086.

3. Mackenzie, Isla S et al.“Cardiovascular outcomes in adults with hypertension with evening versus morning dosing of usual antihypertensives in the UK (TIME study): a prospective,randomised,open-label, blinded-endpoint clinical trial.” Lancet (London,England) vol.400,10361 (2022): 1417-1425. doi:10.1016/S0140-6736(22)01786-X.

4.Garrison, Scott R et al. “Bedtime versus morning use of antihypertensives for cardiovascular risk reduction (BedMed):protocol for a prospective, randomised, open-label, blinded end-point pragmatictrial.” BMJ open vol.12,2 e059711. 24 Feb. 2022, doi:10.1136/bmjopen-2021-059711.