Colesterol LDL: quanto menor, melhor?

Compartilhe

A redução dos níveis de colesterol LDL (LDLc) com estatinas sozinhas ou em combinação com outros agentes (como a ezetimiba e os iPCSK9) está associada a reduçao de eventos cardiovasculares e de mortalidade, sendo parte fundamental no manejo de pacientes com risco cardiovascular elevado. Nos pacientes de muito alto risco cardiovascular, recomendam-se alvos de LDLc < 50mg/dl. Em estudos envolvendo os iPCSK9 níveis de LDLc ainda mais reduzidos podem ser alcançados. Esses dados têm despertado questionamentos sobre um possível impacto desse LDL-C muito baixo em alguns papeis fisiológicos fundamentais do colesterol como a formação de membranas celulares, a síntese de vitaminas e a produção de hormônios adrenais. Afinal, podemos seguir a premissa em relação ao LDLc do “quanto menor, melhor”?

Um primeiro questionamento recai sobre a acurácia de medidas do LDLc em níveis tão reduzidos. Na maioria dos laboratórios, não é feita a dosagem direta do LDLc e sim seu cálculo a partir da “fórmula de Friedewald”. Já é bem conhecido que essa formula falha diante de triglicerídeos > 400mg/dl. Entretanto, um estudo realizado por Martin e cols encontrou imprecisões significativas em níveis mais baixos de LDLc. Em pacientes com LDLc calculado < 70 mg/dl, os resultados medidos estavam discrepantes em cerca de 40% dos pacientes com níveis de TG de 150-199 mg/dL e 59% daqueles com níveis de TG de 200-399 mg/dL (de fato, estavam na faixa mais elevada). A utilização de outras equações como a de Martin-Hopkins, pode corrigir essa falha.

Quanto as funções celulares do colesterol, diversos ensaios demonstram a independência da maioria dos tecidos em relação aos níveis plasmáticos de LDLc. Boa parte das células dispõe de maquinário celular adequado para síntese de colesterol em quantidades suficientes para a manutençao de suas funções, bem como mecanismos adaptativos para adquirir quantidades mínimas para sua homeostase.

Condições genéticas como a hipolipidemia familiar combinada estão associadas à síntese reduzida de quilomícrons, VLDL e TG, apresentando baixos níveis de LDLc. Embora possam estar associadas a esteatose hepática, pelo baixo efluxo de colesterol no VLDL, as demais condições funcionais relacionadas ao colesterol estão preservadas. Pacientes com mutações inativadoras de PCSK9 também apresentam níveis muito reduzidos de LDLc. Um estudo do UK Biobank demonstrou que tal condição não estava associada ao aumento de glicose, eventos adversos hepatobiliares ou disfunção neurocognitiva.

Apesar da preocupação de que níveis baixos de LDLc diminuiriam a síntese de hormônios esteróides, dados de ensaios clínicos randomizados não demonstram efeitos adversos clinicamente importantes sobre os hormônios adrenais e gonadais. Ensaios randomizados não encontraram diferenças na testosterona basal ou estimulada, testosterona livre, hormônio luteinizante ou hormônio folículo-estimulante. No entanto, num ensaio controlado com placebo com atorvastatina 80 mg, a testosterona biodisponível foi reduzida em 10%, enquanto a testosterona total e livre permaneceu inalterada. Embora o significado clínico não seja claro, as estatinas não causam hipogonadismo ou disfunção erétil.

Os ácidos biliares são necessários para a absorção de vitaminas lipossolúveis do intestino. Estudos demonstraram que mesmo em situações de LDL-C muito baixo, a produção de ácidos biliares é normal. Vários estudos relataram que níveis baixos de LDLc secundários à terapia hipolipemiante não estão associados a níveis mais baixos de vitamina D ou E.

A preocupação de que a redução do LDLc aumentaria o AVC hemorrágico foi abordada em numerosos ensaios clínicos. Em vários ensaios clínicos randomizados, as estatinas diminuíram o AVC isquêmico sem efeito no AVC hemorrágico. No entanto, no estudo randomizado e controlado SPARCL, altas doses de atorvastatina (80 mg) em comparação com placebo reduziram significativamente o AVC isquêmico, mas aumentaram o AVC hemorrágico em um pequeno número de participantes (55 no grupo da atorvastatina vs 33 no grupo do placebo) com histórico de acidente vascular cerebral ou ataque isquêmico transitório. Uma análise adicional dos dados do SPARCL descobriu que o risco de AVC hemorrágico não estava relacionado com os níveis basais ou recentes de LDL-C. Uma meta-análise subsequente incluindo ensaios randomizados nos quais os participantes atingiram LDL-C < 55 mg/dL (< 1,4223 mmol/L) não encontrou aumento nos episódios de AVC hemorrágico.

A hipótese de que o LDL-C baixo causa declínio cognitivo também foi investigada. A cognição não diferiu em pacientes randomizados para receber evolocumabe em comparação com placebo. Em pacientes que alcançaram LDLc < 25 mg/dl, o grupo em uso de evolucumabe não diferiu quanto a função cognitiva. No estudo FOURIER-OLE não houve tendência de aumento de eventos neurocognitivos durante uma exposição máxima de 8,4 anos ao evolocumabe, com LDLc médio de 30 mg/dL.

Concluindo, a proposta de LDLc “quanto menor, melhor” segue válida, encontrando respaldo em diversos estudos disponíveis na literatura. A terapia hipolipemiante vem demonstrando redução de desfechos CV e com baixo nível de complicações associadas a seu uso.