Classificação cirúrgica da endometriose

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A classificação cirúrgica da endometriose leva em conta a história clínica da paciente associada a exame físico e laparoscopia. Essa doença possui um grande atraso diagnóstico e, quanto mais precoce for diagnosticada, menor será o impacto na qualidade de vida. O quadro clínico varia desde dor no início da menarca, sendo cíclica ou antecedendo ao ciclo menstrual — mesmo nas anovulatórias —, até distensão abdominal, disquesia, dispareunia, diarreia e aceleração dos movimentos peristálticos.

Definida como tecido endometrial fora da cavidade uterina, estrogênio dependente, crônica ou benigna, ocorre, na maioria das vezes, mulheres na menacme. Via de regra, acomete a pelve feminina com uma estimativa de que 10% das mulheres em idade reprodutiva. Devido seu caráter multifatorial, apresenta várias formas de apresentação clínica e, mediante a isso, fez-se a necessidade da classificação da doença, a fim de melhorar a programação cirúrgica, além da comunicação entre os médicos.

Há quatro classificações principais. A classificação realizada pela American Society for Reproductive Medicine (ASRM), criada em 1979, com posterior revisão em 1996, que pontua a doença de acordo com a localização e o tamanho das lesões encontradas na cirurgia. Dividido em I, II, III e IV, sendo: I endometriose mínima; II endometriose leve; III endometriose moderada; IV endometriose severa. No estágio I, a doença recebe até 5 pontos; no estágio II, de 6 a 15 pontos; estágio III, de 16 a 40 pontos e, acima disso, estágio IV. É avaliado se o peritônio possui infiltração superficial ou profunda (acima de 5 mm), se há acometimento do ovário, bem como sua lateralidade, se o acometimento é superficial ou profundo e as trompas. Avaliação do fundo de saco posterior, se há obliteração e se ela é parcial ou completa. Essa classificação é bem aceita mundialmente por ser de fácil aplicabilidade e auxílio à paciente no entendimento da doença. A desvantagem, entretanto, está no fato de que, após a análise histológica, a doença pode ser mais ou menos profunda, uma vez que a classificação é realizada subjetivamente no intraoperatório. Além disso, não avalia a dor e infertilidade, bem como não avalia se há endometriose infiltrativa profunda em ligamento uterossacro, bexiga, vagina e intestino.

A classificação ENZIAN avalia a extensão da endometriose profunda intraoperatória. Elaborada em 2005, com posterior revisão em 2010, 2011 e 2021 devido sua sobreposição com ASMR. Na última revisão, possui uma classificação anatômica não cirúrgica, com o intuito de estimar a doença pré-operatória via métodos de avaliação não invasivos, como a ressonância nuclear magnética e ecografia pélvica transvaginal. Assim, pode-se realizar uma melhor programação cirúrgica. Ainda faltam estudos que corroborem sua validade clínica e reprodutibilidade. Avalia-se a extensão da doença no peritônio somando os diâmetros de acometimento. Sendo de 1 a 3 (1, abaixo de 3 cm de extensão da doença) e 3 acima de 7 cm de extensão da doença. No ovário, avalia-se também os diâmetros e a soma do acometimento, bilateral, seguindo a mesma pontuação de 1 a 3 e a respectiva extensão da doença. A tuba, entretanto, é avaliada se há aderência na parede lateral pélvica (1 ponto – T1); aderência na parede pélvica e útero (2 pontos – T2) e se há aderência bilateral da tuba, no útero, intestino e ligamentos uterossacros (3 pontos – T3).

A classificação ENZIAN avalia também o espaço retrovaginal, vagina e retrocervical, que vai de A1 a A3, sendo A1 quando a extensão da doença é menor que 1 cm e A3 quando acima de 3 cm de acometimento. Nessa classificação, a letra B designa os ligamentos uterossacros, cardinais, parede lateral pélvica e, da mesma forma como o A, é avaliada de B1 a B3: em que 1 até 1 cm de acometimento e B3 acima de 3 cm. A letra C avalia o acometimento retal em seu maior diâmetro, sendo C1 até 1 cm; C2 entre 1 e 3 cm; C3 acima de 3 cm de acometimento retal. Para finalizar a classificação, E e F avaliam a localização e são divididos em FA, em caso de paciente com adenomiose, FB, se a endometriose acomete bexiga, FI, se acomete intestino, FU, se há comprometimento ureteral, F para diafragma, P para pulmão e N para nervo.

Essa classificação possui a vantagem de avaliação das estruturas retroperitoneais. Avaliação pré-operatória mediante exames de imagem, de modo que tanto a localização quanto a extensão da doença estão correlacionadas à clínica da paciente. As desvantagens, entretanto, estão no fato de que possui baixa aceitação, já que, além de complexa, exige um conhecimento avançado em anatomia retroperitoneal, aliada ao fato de que as pacientes possuem baixo entendimento dessa classificação.

Na classificação Endometriosis Fertility Index (EFI), estima-se a probabilidade de gestação espontânea em pacientes com endometriose que tenham sido submetidas a tratamento cirúrgico. Avalia-se, portanto, idade, tempo de infertilidade, achados intraoperatórios e antecedentes obstétricos. Nessa classificação, a avaliação analisa a perda funcional da tuba, fímbria e ovário, sendo 0 o correspondente a estruturas sem função; 1, com disfunção severa; 2, moderada; 3, mínima; 4, com função normal. Avalia-se as estruturas separadamente, somando essas pontuações. Após, avalia-se a idade (abaixo de 35 anos, 2 pontos; entre 36 e 39 anos, 1 ponto; 40 anos ou mais, 0); avaliação do tempo de infertilidade: abaixo de 3 anos, 2 pontos; acima de 3 anos, 0. Se a paciente apresentou gestação anterior, 1 ponto, e se não teve, 0. As pacientes que pontuarem 10, indicam melhor prognóstico. Quanto mais perto do 0, pior prognóstico.

A vantagem da EFI é uma clara previsão da possibilidade de gestação ante as outras classificações, além de já ser validada por vários estudos. Já sua desvantagem, é que não se avalia a clínica de dor, mesmo porque essa não foi a finalidade para a qual foi criada. Além disso, essa classificação funcional é realizada de forma subjetiva, podendo ter discrepância entre os cirurgiões.

Em 2010, houve a criação de um projeto, realizado pela American Association of Gynecologic Laparoscopists (AAGL), em que os especialistas atribuíram pontuações de 0 a 10 em dor, infertilidade e dificuldade cirúrgica. A dificuldade cirúrgica foi classificada em nível 1, em que há apenas a necessidade de excisão de implantes superficiais associadas a aderências avasculares. Nível 2 quando há abordagem de endometriomas, apendicectomia, endometriose profunda e aderências que não envolvam órgãos adjacentes. Já o nível 3 são achados intraoperatórios de aderências densas, com comprometimento de intestino, sem ressecção ou ureter com ureterólise, bexiga em que a remoção dos focos demande sutura. Já o nível 4 são casos em que há necessidade, mediante ao grau de comprometimento dessas estruturas, de realizar ressecção intestinal com anastomose término-terminal, reimplante ureteral ou anastomose.

Essa classificação ainda necessita de maior validação, mas os resultados preliminares evidenciam achados intraoperatórios confiáveis quanto à complexidade cirúrgica em comparação à classificação ASRM. Além disso, o estágio de gravidade é mais condizente com a queixa clínica de dor e infertilidade.

REFERÊNCIAS:

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