Cardiopatias genéticas e exercício competitivo: É possível a liberação?

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Cardiopatias genéticas e exercício competitivo: É possível a liberação?

Interessante estudo publicado no Congresso do ACC, em Março de 2023, trouxe um importante tema para debate. Atletas com cardiopatias geneticamente determinadas podem ser liberados para a prática de atividades físicas competitivas?

Qual foi o objetivo do estudo?

O trabalho buscou investigar eventos arrítmicos em Atletas Profissionais e da Primeira Divisão do NCAA (Liga Universitária Americana), portadores de situações clínicas potencialmente arritmogênicas que podiam progredir para morte súbita. De forma geral, esses atletas recebem a recomendação para suspenderem atividades físicas competitivas, de acordo com as Diretrizes atuais.

  • 76 atletas foram retrospectivamente analisados.
  • 53% eram portadores de miocardiopatia hipertrófica.
  • 25% eram portadores de Síndrome de QT Longo
  • 73 (96%) escolheram retornar ao treinamento e competição, mas 4 deles ainda não haviam sido liberados pela instituição esportiva, mesmo que o cardiologista tivesse dado aval.
  • 52 % dos atletas não tinham sintomas antes do diagnóstico e suas condições foram descobertas após avaliação cardiológica.
  • cerca de 25% foram diagnosticados após apresentarem manifestações clínicas, como sincope, palpitações e dispneia.
  • 1/3 dos Atletas eram portadores de Cardiodesfibrilador Implantável (CDI).

Os esportes praticados pelos atletas foram: basquete, hóquei, atletismo, triathlon e futebol.

O acompanhamento médio foi de 7 anos. Neste período, 03 atletas (4%) apresentaram um evento não-fatal associado à doença cardiovascular:

  • O primeiro atleta era um homem , jogador de basquete da NCAA, com miocardiopatia hipertrófica. Usava betabloqueadores e tinha um CDI. Recebeu um choque apropriado enquanto mudava móveis de lugar.
  • O segundo atleta era um homem, jogador de hóquei, com síndrome do QT Longo. Estava em uso de betabloqueadores e teve episódios de síncope. A primeira ao se levantar de um banco, e a segunda enquanto cozinhava.
  • O terceiro, também homem, foi um atleta de hóquei profissional, portador de miocariopatia hipertrófica, em uso de betabloqueador, com episódio de síncope no exercício

Não houve nenhum óbito.

O que podemos aprender com esse estudo?

Que tudo bem liberar pacientes com cardiopatias geneticamente determinadas? Não!

O estudo mostra a importância de decisão médica compartilhada.

Ao mesmo tempo que pacientes com essas condições podem de fato ter risco de morte súbita maior que a população em geral, há também o potencial malefício de suspender atividades físicas desses indivíduos.

Por vezes esporte é fonte de renda, lazer e interessante estratégia de manutenção e prevenção de outros fatores de risco cardiovasculares.

Como o estudo é retrospectivo devemos levar em consideração que os pacientes liberados possivelmente eram os que demonstravam menos fatores complicadores, de forma que não se aplica os achados do estudo a todos pacientes com o mesmo diagnóstico.

De fato, na Miocardiopatia hipertrófica, por exemplo, alguns fatores de risco como gradiente da via de saída do ventrículo esquerdo (VE) maior que 30 mmHg, síncope inexplicada, resposta anormal da pressão arterial no exercício físico, taquicardia ventricular não sustentada no esforço, dentre outros, são potenciais complicadores.

Vale ressaltar que trata-se de um estudo observacional retrospectivo, que não nos permite , por enquanto, mudar condutas. Mas sem dúvidas pode nos dar novas perspectivas.

O ORCA (Outcomes Registry for Cardiac Conditions in Athletes), em andamento, é um estudo prospectivo que provavelmente trará mais informações relevantes sobre o tema.

Para onde vamos?

A Cardiologia do Esporte e a Genética Aplicada à Cardiologia provavelmente vão ajudar na melhor tomada de decisão. Melhores ferramentas de estratificação de risco, decisão compartilhada e contemplação de fatores médicos e não médicos permitirão decisões mais adequadas.

Mais destaques do segundo dia da Cobertura do ACC 2023 você assiste aqui!Referência:American College of Cardiology (ACC) Scientific Session/World Congress of Cardiology (WCC) 2023: Late Breaking Clinical Trials. Presented March 6, 2023. Return-to-play for Elite Level Athletes with Sudden Cardiac Death Predisposing Genetic Heart Diseases