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Atualização da diretriz de avaliação perioperatória: o que há de novidade?
Escrito por
Daniela Calderaro
Publicado em
15/3/2022
Lidar com pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP) e necessidade de cirurgia não cardíaca é bastante comum. Estima-se que até 10% dos pacientes que foram submetidos a ICP necessitam procedimento cirúrgico não cardíaco no primeiro ano. Em menor proporção, mas também relevante, estão aqueles pacientes que têm indicação de ICP durante a avaliação perioperatória eletiva, por apresentarem alto risco de natureza isquêmica. Em ambos cenários, individualizar o intervalo entre as intervenções, com correto manejo da terapia antiagregante, é fundamental para redução do risco global do paciente. Recentemente foi publicada a Atualização da Diretriz de Avaliação Cardiovascular Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia, com Foco em Manejo dos Pacientes com Intervenção Coronária Percutânea (ICP), importantes mudanças nas recomendações feitas em 2017 merecem destaque.
- A previsão de cirurgia não cardíaca não deve motivar a preferência por stent não farmacológico, conceito antigo e que não parece mais adequado frente às novas evidências.
O avanço na tecnologia dos Stents farmacológicos, no que diz respeito à plataforma metálica, polímeros biodegradáveis e fármacos, os tornou cada vez menos trombogênicos, permitindo com segurança encurtar a duração da DAPT no contexto de alto risco de sangramento, como é o perioperatório. Estudos que estão detalhados no update da Diretriz evidenciam segurança de encurtamento para 3 meses, ou até mesmo 1 mês, desde que seja mantido um dos anti-agregantes plaquetários. Dessa forma, quando a avaliação perioperatória evidencia alto risco cardíaco, com benefício de ICP pré-operatória, não há mais justificativa para se optar por Stent não farmacológico.
- O contexto da angioplastia (eletivo vs síndrome coronária aguda) é mais relevante que o tipo de Stent utilizado.
Após ICP no contexto de síndrome coronária aguda, o risco de eventos persiste elevado por pelo menos um ano, independentemente do tipo de Stent utilizado, justificando maior temor quando há necessidade de operação não cardíaca antes desse período. Em interessante análise de mais de 26.000 pacientes que necessitaram operação não cardíaca até 2 anos após ICP, Holcomb e cols. observaram que o risco de complicação cardíaca era maior entre aqueles pacientes que tiveram indicação da ICP no contexto de infarto, comparativamente aos pacientes tratados eletivamente. Quanto maior o intervalo decorrido entre a ICP e a operação, menor o impacto do contexto de urgência da ICP, de forma que nos 3 primeiros meses o risco é 5,25 vezes maior, entre 3 e 6 meses é 2,45 vezes maior, e ainda 1,95 vezes maior mesmo após 12 meses (FIGURA 1). Na mesma análise, o tipo de Stent não impactou a taxa de complicação pós-operatória. (Holcomb CN, Hollis RH, Graham LA, et al. Association of Coronary Stent Indication With Postoperative OutcomesFollowingNoncardiacSurgery.JAMASurg.2016;151(5):462-469. oi:10.1001/jamasurg.2015.4545).
- Intervalos propostos entre os procedimentos.
Cirurgias eletivas devem ser realizadas após o término do tempo ideal de DAPT. Entretanto, para pacientes com proposta de procedimentos tempo-sensíveis, em que se configura alto risco hemorrágico, a DAPT pode ser abreviada para 3 meses ou até mesmo 1 mês. O que, até há pouco tempo, se preconizava como ideal aguardar 6 meses entre ICP eletiva com stent farmacológico e cirurgia não cardíaca, hoje, seguramente, podemos considerar 3 meses para os stents de nova geração. Em situações mais prementes, já há evidências para interrupção de DAPT em 30 dias, analogamente ao que se faz nesse contexto para pacientes com stent não farmacológico. Antes desse período, apenas operações não cardíacas de urgência ou emergência se justificam (resumo abaixo no fluxograma). Para pacientes que realizaram ICP no contexto agudo, o ideal é completar 1 ano de DAPT antes de operações eletivas; entretanto, na necessidade de procedimentos prementes, o intervalo pode ser reduzido para 6 meses e, excepcionalmente, 1 mês . Cabe ressaltar que quando o intervalo idealmente planejado de DAPT é abreviado, a operação não cardíaca deve ser realizada preferencialmente em hospitais com equipe de hemodinâmica em sobreaviso 7/7 dias da semana e 24hrs/dia, e a monitorização cardíaca é mandatória.