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Atividade Física no trabalho pode ser ruim? Entenda este Paradoxo
Escrito por
Silvio Povoa
Publicado em
24/4/2024
Você está no consultório e atende um paciente que anda cerca de 10km no trabalho por dia. Você deveria orientar quanto a atividade física?
A prática de atividade física é algo que sem dúvidas tem efeito protetor quanto a doenças cardiovasculares, câncer quadros demenciais e outras doenças crônicas não transmissíveis. Por outro lado, pra muitas pessoas atividade física é algo que faz parte de sua atividade laboral
Um interessante estudo publicado no The Lancet Regional Health – Europe buscou avaliar dados de 7.000 adultos, entre 33 e 65 anos, para avaliar o padrão de atividade física e os riscos de quadros demenciais e transtorno cognitivo leve.
Os indivíduos foram divididos em 4 trajetórias quanto à quantidade e tendência prática de atividades físicas
- Baixa Estável
- Aumentando e diminuindo
- intermediário Estável
- Alto estável
Ao todo, 902 indivíduos foram diagnosticados com demências e 2407 com transtorno cognitivo leve com 70 anos ou mais. Após ajustes, o risco de quadros demenciais e transtorno cognitivo leve foram de 15,5 e 9%, respectivamente em quem tinha a atividade física como atividade laboral e com quem tinha baixa demanda de atividade física laboral.
Os autores concluem que trabalhar consistentemente em atividade laboral com intermediária ou alta taxa de atividade física se associou com maior risco de comprometimento cognitivo.
Esse achado é condizente com o visto no Copenhagen Male Study, publicado em 2020, no qual indivíduos com alta carga de atividade física laboral tiveram 55% maior risco de desenvolvimento de quadros demenciais que aqueles com atividades laborais “sedentárias”.
Dados de 2020 do National Institute for Occupational Safety and Health mostram que a exposição laboral à atividade física se associou a mais eventos cardiovasculares. Por isso o termo “Paradoxo da atividade física” tem sido cada vez mais colocado em debate.
Mas por qual motivo isso acontece ?
Uma primeira a mais plausível explicação seria por condições socioeconômicas. De forma geral, atividades laborais que exigem maior atividade física se associam com menores salários que as demais atividades. Dessa forma, esse aumento de piores desfechos poderia ser atribuível à questão socioeconômica.
Por outro lado, vale lembrar que a exposição ao mesmo estímulo de forma recorrente, sem acompanhamento, pode ser fator preditor para lesões, dor crônica, e desenvolvimento de limitações osteoarticulares a médio e longo prazo.
Outro fato a ser considerado é o stress psicológico que essas atividades laborais podem trazer, tanto pelo desafio em si de realizá-las, quanto por fadiga crônica, quanto por lesões. Por outro lado, nem todos os dados falam necessariamente a favor de um efeito deletério de atividade física laboral.
No estudo PURE (Prospective Urban Rural Epidemiology) a atividade física realizada tanto em atividade laboral como lazer se associaram com menor mortalidade e eventos cardiovasculares
Como podemos clinicamente tentar mitigar esses efeitos ?
Idealmente, atividades laborais que envolvam esforço físico estarem associadas com métodos de preparo físico para que sejam feitas. Seja o estabelecimento de exercícios resistidos, promovendo força, resistência e diminuindo lesões, e/ou atividade física aeróbica, dando preparo físico aeróbico para a sustentação
Por isso, na avaliação de pessoas que trabalham fazendo esforço físico, ainda assim , é importante a orientação específica quanto a atividade física. No exemplo do início desse texto, no caso do carteiro, sugerir exercícios resistidos para o carteiro seria interessante para a prevenção de lesões a longo prazo.
Além disso, o estabelecimento de dados quanto a realidade brasileira e políticas públicas que olhem pra esses dados podem ser interessante para tomadas de decisões que envolvam especificamente a nossa população.