As metas de pressão propostas pela nova diretriz de hipertensão estão corretas?

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As metas de pressão propostas pela nova diretriz de hipertensão estão corretas?

Já falamos bastante sobre a nova diretriz americana de hipertensão arterial (HAS). Como citado, as principais mudanças sugerida por este documento em relação aos pontos de corte para se definir hipertensão assim como as metas pressóricas a serem atingidas foram fortemente influenciadas pelo estudo SPRINT, o mais importante trial de hipertensão dos últimos anos. A grande questão é: os achados do SPRINT podem/devem ser extrapolados para todos os pacientes hipertensos, como sugerido pela diretriz? Um novo subestudo do SPRINT publicado no JACC ajuda a responder esta questão.

O que fez o estudo? Dividiu os pacientes do SPRINT em 4 grupos (quartis) baseado no risco cardiovascular medido pela calculadora de risco da AHA. Os pacientes de risco mais baixo (primeiro quartil) tinham risco AHA < 11,5%. O Segundo quartil englobava pctes com risco entre 11,5% e 18,1%. Terceiro, de 18,2% a 28,9%. O grupo com risco mais elevado possuía risco >28,9%. E o que mostraram os resultados:

  • Quanto maior o risco cardiovascular do paciente, menor o número de pacientes que você tem que tratar para evitar um evento cardiovascular. Exemplo: enquanto no grupo com risco baixo seriam necessários tratar 333 pctes para evitar uma morte, no grupo de maior risco esse número era de apenas 45! Uma diferença de cerca de 7,5x.
  • Os pesquisadores fizeram uma série de cálculos comparando o custo x benefício da estratégia intensiva de controle da PA. Moral da história? Apenas pacientes com risco cardiovascular mais elevado (acima de 18,2%) apresentaram mais benefícios que malefícios com o uso da estratégia agressiva de controle da PA. Então pctes com risco inferior a 18,2% não se prejudicaram, nem se beneficiaram da estratégia agressiva, certo? Não! Pela análise do estudo, estes pctes tiveram mais malefícios que benefícios. Que malefícios seriam estes? Piora da função renal, episódios de hipotensão sintomática, etc.

Um comentário interessante dos autores do paper foi em relação ao subgrupo de idosos. Antes do SPRINT, o 8o Joint recomendava alvo de pressão sistólica abaixo de 150 mmHg no subgrupo de pctes idosos. Já o subestudo de pctes idosos do SPRINT mostrou que o benefício do controle agressivo de PA foi mantido nestes pacientes. O atual estudo mostra que mais de 97% dos pctes com mais de 75 anos do SPRINT tinham escore de risco superior a 18,2%, corroborando o benefício de tratar-se estes pctes idosos de forma mais agressiva.

Opinião:

Desde que foi publicado no final de 2017, o guideline americano de HAS vem gerando bastante polêmica. Cheguei a escrever um editorial sobre este guideline para a revista brasileira de obesidade. Um dos principais pontos discutidos é justamente este sobre colocar o mesmo alvo pressórico (PA <130x80) para todos os pacientes, majoritariamente baseado no SPRINT. Faz sentido? Não. Primeiro, como já comentamos no post do SPRINT, a população deste estudo apresenta risco cardiovascular aumentado. Assim, um pcte de 40 anos sem maiores fatores de risco não chegaria nem perto de preencher os critérios para entrar no estudo em primeiro lugar. Mas eu só aplico os resultados de um trial em um pcte igual ao do trabalho? Não. Mas o que o objetivo de um ensaio clínico é o de provar uma teoria. Ex: tratar de forma mais agressiva a PA em pctes de risco CV aumentado é benéfico. Por que poderia não ser em um paciente de risco baixo? Porque estes pacientes tendem a apresentar baixa taxa de eventos. Desta forma, é necessário tratar uma enorme quantidade de pacientes para prevenir um evento. Já os efeitos colaterais continuam ocorrendo.

A este raciocínio o estudo atual coloca mais um argumento contra esta meta pressórica universal: no próprio SPRINT uma parcela significativa dos pctes não apresentou benefício com níveis mais baixos de PA. Ou seja, os achados do estudo não são uniformes mesmo dentro do próprio trial. Mas aí você está apelando, Eduardo. Análise de subgrupo não serve de grandes coisas. Serve sim. Já comentamos isso algumas vezes. Se um estudo é negativo, a análise de subgrupo serve para levantar hipóteses, mas não muda conduta. Já quando um estudo é positivo (caso do SPRINT), a análise de subgrupo pode ajudar a refinar a tomada de conduta. Exemplo: o TRITON mostrou que o prasugrel é melhor que o clopidogrel no cenário de síndromes coronarianas agudas. Contudo, pacientes com mais de 75 anos ou com <60 kg não mostraram benefícios com a medicação nova. Pctes com AVC/AIT prévios evoluíram pior com o prasugrel do que com o clopidogrel. Ou seja, nestes 3 subgrupos de pacientes a tendência é ir de clopidogrel mesmo. A análise de subgrupo nos ajudou a definir melhor em quem usar e em quem evitar. No caso desta subanálise do SPRINT, o raciocínio é similar.

Os resultados do estudo devem ser levados à prática de forma cartesiana? Há um porém importante. Na hora de pesar risco x benefício do tratamento agressivo, os autores colocaram na mesma balança eventos cv de um lado (iam, avc, insuficiência cardíaca, etc) e do outro eventos adversos maiores das medicações anti-hipertensivas (ex: quedas, hipotensão sintomática, etc). Não parece ser tão cartesiano assim.

De toda forma, a conclusão feita no editorial que acompanha o artigo parece ser bastante feliz: a evidência científica sugere que em pacientes mais jovens com risco CV <18,2% a meta da pressão sistólica é <140 mmHg.

Referência: Philips RA et al. Impact of Cardiovascular Risk on the Relative Benefit and Harm of Intensive Treatment of Hypertension. J Am Coll Cardiol 2018.