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Álcool em pequena quantidade faz mal ao coração?
Escrito por
Pedro Veronese
Publicado em
1/2/2022
Recentemente, a World Heart Federation (WHF) declarou que: "A noção amplamente difundida de que consumir quantidades pequenas a moderadas de álcool é bom para a saúde cardiovascular não é apoiada pelos dados". Mas, e aquela história de que o consumo moderado de álcool (15,0 a 20,0 g/dia para mulheres e 30,0 a 40,0 g/dia para homens) protege o coração? Que o consumo moderado de etanol (1 dose diária para as mulheres e 2 doses diárias para os homens) reduz doença cardiovascular, aumenta o HDL colesterol e diminui disfunção endotelial? Era tudo mentira?
Uma coisa é certa, os inúmeros estudos que mostraram esses benefícios cardiovasculares são observacionais, não randomizados, retrospectivos etc. portanto, têm inúmeras limitações metodológicas. Isso é tão verdade, que eles nunca permitiram aos médicos prescrever ingestão moderada de álcool para se diminuir risco cardiovascular. Mas de certa forma, autorizavam a manutenção do consumo moderado aos que já bebiam, não havendo outras restrições médicas.
Desta forma, o leitor mais desatento deve imaginar que esta afirmação da WHF é baseada em estudos prospectivos, randomizados, com grupo controle etc., ou seja, estudos definitivos sobre o tema! Obviamente que NÃO. Boa parte das evidências trazidas pela WHF vêm de um estudo publicado no Lancet, Lancet 2018; 392: 1015–35, e que apesar de trazer informações relevantes, tem inúmeras limitações.
Mas o que este estudo demonstrou?
Os pesquisadores revelaram que conseguiram aprimorar as estimativas entre o consumo de álcool e mortes atribuíveis ao álcool e incapacidades, ajustadas por anos de vida em 195 localidades de 1990 a 2016, para ambos os sexos, entre indivíduos de 15 a 95 anos. Eles usaram 694 fontes de dados de consumo de álcool individual e populacional, juntamente com 592 estudos retrospectivos e prospectivos sobre o risco do uso de álcool. Eles produziram estimativas da prevalência de consumo atual, dos abstinentes, da distribuição do consumo de álcool entre os bebedores atuais e dos seus impactos em relação às mortes e incapacidades. Fizeram melhorias metodológicas em comparação às estimativas anteriores: primeiro, ajustando as estimativas de venda de álcool levando em consideração o consumo turístico e não registrado (clandestino); em segundo lugar, fizeram uma nova meta-análise estimando o risco relativo de 23 resultados de saúde associados ao uso de álcool; e por último, desenvolveram um novo método para quantificar o nível de consumo de álcool que minimiza o risco global para a saúde individual.
Quais as principais conclusões deste estudo?
Considerando o mundo todo, o consumo de álcool foi o sétimo fator de risco para mortes e incapacidades em 2016, contabilizando 2,2% das mortes nas mulheres e 6,8% nos homens. Entre a população de 15 a 49 anos, o consumo de álcool foi o principal fator de risco, com 3,8% das mortes em mulheres e 12,2% nos homens.
Para a população de 15 a 49 anos, as 3 principais causas de morte atribuíveis ao álcool foram tuberculose, lesões de trânsito e lesões autoprovocadas. Na população com 50 anos ou mais, foram os cânceres.
O nível de álcool que minimizou os seus danos à saúde foi de zero bebidas por semana.
Reflexões do Cardiopapers:
Note que saber exatamente o consumo diário de álcool de uma pessoa é muito difícil. Estudos observacionais, por mais bem feitos que sejam, não conseguem ter esse dado de forma totalmente confiável. Apesar de todos os esforços dos pesquisadores em refinar suas metodologias e propor inúmeros ajustes, o viés desta informação com esses desenhos de estudo permanece.
Entendemos que o consumo leve a moderado e responsável de álcool nada tem a ver com um consumo que faz um indivíduo abandonar ou esquecer de tomar seus remédios para tuberculose, ou se expor à doenças sexualmente transmissíveis por não usar preservativo devido ao seu elevado grau de embriaguez, ou assumir o volante estando alcoolizado, ou a provocar automutilações por exacerbação de doenças psiquiátricas etc. Contraindicamos fortemente o consumo de álcool para menores de idade. O consumo leve e responsável de álcool deve ser discutido com seu médico e ajustado para a sua ficha médica.
Desta forma, concluímos que ainda não temos uma resposta definitiva para este tema. O consumo leve a moderado de álcool deve ser individualizado pesando riscos e benefícios.
Em resumo...
NÃO se recomenda introdução de álcool, mesmo que em pequenas quantidades, pensando-se em promover proteção cardiovascular em pacientes que atualmente são abstêmios à substância.
Bibliografia: