Qual o efeito do abuso de esteroides anabolizantes sobre o coração?

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O abuso de esteroides anabolizantes vem se tornando um problema de saúde pública cada vez maior em decorrência do aumento da sua prevalência entre homens e mulheres. Embora a avaliação dos riscos associados seja limitada pela impossibilidade ética de realizar estudos randomizados, estudos observacionais e retrospectivos têm associado os níveis suprafisiológicos de testosterona a uma série de complicações: infertilidade, hipogonadismo, policitemia, disfunção renal, hepatotoxicidade, alterações do comportamento e miotoxicidade.

Entre estas complicações, a miotoxicidade vem se mostrando cada vez mais prevalente e uma série de evidências, nos últimos anos, tem apontado para efeitos deletérios sobre o sistema cardiovascular. Inicialmente, tínhamos apenas relatos de casos de morte súbita e infarto agudo do miocárdio em indivíduos jovens usuários de esteroides anabolizantes e estudos experimentais apontando para maior aterogênese e disfunção endotelial. Mais recentemente, uma série de novas evidências têm colocado o coração como uma das principais vítimas do excesso de andrógenos.

Coorte retrospectiva realizada na Suécia e publicada em 2015 demonstrou um risco 2 vezes maior de morbimortalidade cardiovascular entre usuários de esteroides anabolizantes quando comprados aos não-usuários. Já outra coorte, realizada na Dinamarca e publicada em 2019, revelou que o risco de cardiomiopatia, fibrilação atrial e mortalidade foi 3 vezes maior entre os usuários.

Mas o que exatamente acontece com o coração de indivíduos que fazem abuso de esteroides anabolizantes? Estudo publicado nos EUA em 2017 comparou o sistema cardiovascular de usuários versus controles, através de ecocardiograma e tomografia, e evidenciou redução da função sistólica do ventrículo esquerdo, redução da função diastólica e maior volume de placa coronariana.

O estudo HAARLEM, publicado em 2022, realizou ecocardiograma 3D nos usuários e descreveu que ocorre hipertrofia ventricular esquerda concêntrica, com aumento da massa do ventrículo esquerdo e do volume do átrio esquerdo, além de redução da fração de ejeção.

No entanto, nem sempre o ecocardiograma convencional vai conseguir detectar estas alterações descritas acima, especialmente entre indivíduos que estejam em uso há pouco tempo. Isto, porém, não significa que estes indivíduos já não estejam apresentando alterações cardíacas. O tecido cardíaco parece, precocemente, sofrer um processo de fibrose que só consegue ser evidenciado pelo ecocardiograma através do Strain.

Somam-se às alterações cardíacas descritas acima, um maior risco de aumento da pressão arterial, uma queda do HDL-colesterol e um maior risco de policitemia. No estudo HAARLEM, houve aumento das pressões sistólica e diastólica e o diagnóstico de hipertensão arterial foi dado em 41% dos usuários. Já 33% apresentaram, ao final de 13 semanas, policitemia, complicação que poderia aumentar o risco de eventos tromboembólicos.

Embora, na maioria das vezes, estas alterações estruturais e funcionais não causem sintomas (especialmente em fases mais precoces), fica o questionamento sobre a possível predisposição a um maior risco de insuficiência cardíaca congestiva e doença arterial coronariana no futuro.

Portanto, é fundamental que estas informações sejam transmitidas ao paciente usuário e que ele seja submetido a um rastreio inicial para doenças cardiovasculares, com aferição da pressão arterial, dosagem do perfil lipídico e do hematócrito e realização de ecocardiograma, de preferência com Strain. Ao mesmo tempo, políticas públicas que combatam o abuso indiscriminado de esteroides anabolizantes se tornam cada vez mais necessárias.