Compartilhe
Espirometria é capaz de predizer eventos cardiovasculares?
Escrito por
Eduardo Lapa
Publicado em
6/9/2018
Texto escrito pelo Dr Odilson Silvestre, pós-doutor pela universidade de Harvard e primeiro autor do artigo discutido.
Todos sabem que a espirometria é exame importante para diagnosticar doenças pulmonares como asma e DPOC. Mas, será que espirometria pode prever o surgimento de eventos cardíacos?
De onde vem esse dado?
De um estudo publicado no JACC no dia 04 de setembro de 2018. Essa é uma análise do Atherosclerosis Risk in Communities (ARIC) Study, uma coorte com mais de 15 mil participantes em quatro centros dos Estados Unidos. Os participantes foram submetidos a duas espirometrias com intervalo de 3 anos e aqueles que estavam no percentil 25% de maior queda da função pulmonar (diferença no VEF1 ou CVF entre a segunda e a primeira espirometrias) foram considerados declinadores rápidos da função pulmonar. As análises foram feitas com regressão de Cox com ajuste para fatores confundidores (socio-demográficos, fatores de risco cardiovasculares, comorbidades e especialmente o status de tabagismo); isso para garantir que o declínio da função pulmonar está associado à doença cardiovascular independentemente de outros fatores como o tabagismo. Em um seguimento de 17 anos, os desfechos analisados foram incidência de IC, AVC, DAC, morte e o combinado de todos eles.
Achados principais:
Os declinadores rápidos tiveram perda (mediana) de VEF1 de 120 ml/ano (normal <25 ml/ano) e CVF (mediana) de 160 ml/ano.
O declínio rápido do VEF1 foi associado a um aumento de 17% no risco de IC (p=0,01). O maior valor preditor para IC se deu no primeiro ano de seguimento (HR=4,33; p=0,02). O declínio rápido da CVF foi associada com um risco aumentado de insuficiência cardíaca (HR=1,27; p<0,001). Declinadores rápido no VEF1 também foi associado ao aumento de 25% no risco de AVC (HR=1,25; p=0,015). Declínio rápido tanto de VEF1 quanto CVF estiveram associados com a incidência do desfecho composto (IC, AVC, DAC) - veja a figura.
Mensagem principal do estudo: A queda rápida da função pulmonar, tanto no volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) quanto na capacidade vital forçada (CVF) prediz não apenas risco aumentado de DPOC, mas também de doenças cardiovasculares como a insuficiência cardíaca (IC) e o acidente vascular cerebral (AVC). O declínio anormal do VEF1 associa-se a um risco 4 vezes maior de IC no primeiro ano de seguimento, sugerindo que os médicos devem considerar a investigação de "IC subclínica" naqueles com queda acelerada do VEF1.
Explicação para os achados:
Já está estabelecido na literatura que as doenças pulmonares crônicas (DPOC e asma) estão associadas a maior incidência de IC e DAC. No atual estudo, avaliamos o declínio da função pulmonar e os eventos cardiovasculares. O achado que mais chamou a atenção é o aumento de 4 vezes no risco de IC no primeiro ano de seguimento entre aqueles com queda rápida do VEF1. Isso pode ser explicado pela causalidade reversa. Ou seja, é possível que a existência de insuficiência cardíaca ainda não diagnosticada ("sub-clínica") possa ter causado o declínio do VEF1, haja vista que a IC causa alteração na função pulmonar devido ao edema interstitical e alveolar e à compressão das vias aéreas. Mas não apenas isso explicaria os achados. Sabe-se que a perda acelerada da função pumonar está associada à ativação da cascata inflamatória, além de alterações vasculares com perda de elasticidade arterial, disfunção endotelial e hipertensão. Esses mecanismos ajudam a justificar a associação com a maior incidência de AVC entre os declinadores rápidos. Outro mecanismo seria a perda de elasticidade compartilhada entre os sistemas cardiovascular e pulmonar. Como se o processo de envelhecimento fosse similar e acelerado para ambos os sistemas, pulmonar e cardiovascular (incluindo o miocárdio), culminando na perda casada de reserva do coração e dos pulmões, predispondo à manifestação precoce da insuficiência cardíaca naquelas com reserva pulmonar reduzida.