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Capacidade funcional está ligada a sobrevida?
Escrito por
Ferdinand Saraiva
Publicado em
30/8/2018
Em 1970, um grupo dinamarquês iniciou um estudo de coorte para avaliar o nível de atividade física e a aptidão cardiorrespiratória como preditores de doença cardiovascular – Copenhagen Male Study. Todos os funcionários do sexo masculino de 14 grandes empresas de Copenhague entre 40 e 59 homens foram convidados, e 5.245 aceitaram participar.
Na inclusão, foram avaliados peso, altura, pressão arterial e aptidão cardiorrespiratória por meio de um protocolo de ciclo-ergômetro. Os pacientes respondiam um questionário sobre fatores de risco cardiovascular, atividade física, consumo de álcool e tabagismo e história familiar. Excluindo os pacientes que já tinham doença cardiovascular no início do estudo e os que não fizeram teste de esforço, restaram 5.107 homens, que foram acompanhados até 2017, um seguimento de 46 anos – até agora, o estudo mais prolongado com dados objetivos de capacidade funcional. Nesse follow-up de muito longo prazo, a mortalidade foi de 92%, com 42.1% de morte por causas cardiovasculares.
E quais os resultados?
Estratificando a população do estudo em baixa capacidade funcional (os 5% de menor VO2), normal-baixa (entre 5 e 50%), normal-alta (entre 50% e 95%) e alta (os 5% de maior capacidade funcional) e ajustando-se para idade, observa-se um grande aumento de expectativa de vida com o ganho de aptidão cardiorrespiratória: 3 anos para o grupo de capacidade normal-baixa, 4.2 anos para o grupo de capacidade normal-alta e 6.4 anos para o grupo de capacidade funcional mais alta.
Cada 1 mL/kg.min de VO2 esteve associado com um aumento de 45 dias de longevidade! Quer dizer, um acréscimo de capacidade funcional de 1 MET (equivalente metabólico) – a energia que gastamos para permanecer em repouso – resulta em mais de 5 meses de expectativa de vida!
“Post hoc ergo propter hoc”? “Depois disso, logo causado por isso”?
Nos estudos observacionais, resta sempre a dúvida entre correlação e causalidade.
Estes resultados poderiam refletir apenas a presença de outros fatores de confusão (por exemplo, diabetes, hipertensão e obesidade) ou a presença de doença pré-existente: os indivíduos mais doentes, por motivos variados, têm pior capacidade de exercício e menor expectativa de vida.
Com isto em mente, os autores fizeram uma segunda análise multivariada, com correção para idade, sexo, IMC, sedentarismo, diabetes, tabagismo, alcoolismo, hipertensão e status sócio-econômico, e excluíram os pacientes que morreram nos primeiros 10 anos de análise (removendo, assim, os pacientes que poderiam ter doença clinicamente relevante por ocasião do teste funcional). Mesmo com esses ajustes, o resultado se mantém: aumento de longevidade de 1.8 anos para o grupo de capacidade normal-baixa, 2.6 anos para o grupo de capacidade normal-alta e 4.3 anos para o grupo de melhor capacidade funcional.
Conclusão
Em indivíduos de meia idade saudáveis, uma melhor aptidão cardiorrespiratória está associada com maior longevidade, mesmo após mais de 10 anos de seguimento e com a exclusão de fatores confundidores.
Existe um forte “gradiente biológico”, isto é, “um efeito de dose-resposta”, o que reforça a possibilidade de causalidade. Mesmo pequenos ganhos de capacidade funcional se refletem em maior expectativa de vida.
Mais um argumento a favor de abandonar o sedentarismo!
Clausen JSR, Marott JL, Holtermann A, Gyntelberg F, Jensen MT. Midlife Cardiorespiratory Fitness and the Long-Term Risk of Mortality: 46 Years of Follow-Up. JACC 2018; 72(9):987-95