10 pontos principais sobre a nova diretriz de miocardite da SBC

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10 pontos principais sobre a nova diretriz de miocardite da SBC

Em 2013 a SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia) publicou a I Diretriz Brasileira de Miocardites e Pericardites1, com recomendações baseadas em sua maioria na opinião de especialistas para diagnóstico e tratamento dessas condições. Recentemente foi apresentada no Congresso do DEIC (Departamento de Insuficiência Cardíaca da SBC), em Curitiba, PR, uma nova versão do documento (Diretriz de Miocardite da Sociedade Brasileira de Cardiologia), dessa vez com foco – e com muito mais detalhes – na abordagem do paciente com miocardite. Seguem os principais pontos de destaque desta nova diretriz de miocardite:

  1. As miocardites são doenças prevalentes, responsáveis por cerca de até 42% das mortes súbitas em jovens, além de cardiopatia dilatada em adultos e crianças. Doença ainda sub-diagnosticada.
  1. A principais causas de miocardite foram classificadas em infecciosas (principalmente virais), autoimunes/ imunomediadas (ex. pós-infecciosa, sarcoidose, miocardite eosinofílica e de células gigantes) e tóxicas (ex. álcool, cocaína, antraciclinas, inibidores checkpoint). A Tabela a seguir resume as principais causas.

Miocardites Infecciosas ViraisCoxsackie A e B, echovirus, poliovirus, influenza, dengue, hepatite C, adenovírus, COVID-19, HIV, adenovírus, herpesvírus, varicela-zoster, Epstein-BarrBactériasEstafilococo, pneumococo, difteria, micoplasma, meningococoEspiroquetasDoença de Lyme, leptospiroseProtozoáriosTripanossoma, toxoplasmose, leshmanioseOutros agentesHelmintos, fungos, riquetsiasMiocardites ImunomediadasAlérgenosToxoide tetânico, vacinas, doença do soro, medicamentos (penicilina, isonizadia, lidocaína, sulfonamidas)AloantígenosRejeição pós transplanteAutoantígenosMiocardite linfocítica, miocardite de células gigantes, febre reumática, doenças autoimunes sistêmicas (lúpus, artrite reumatoide, vasculites)Miocardites TóxicasDrogas de abusoAnfetaminas, cocaína, etanol,MedicamentosAntraciclinas, ciclofosfamida, lítio, inibidores de checkpoint imunológicoMetais pesadosCobre, ferro, chumboMiscelâneaPicada de animais peçonhentos (escorpião, serpente), monóxido de carbono, inalantes

  1. O diagnóstico é clínico na maioria dos casos, sendo a biópsia endomiocárdica indicada apenas em casos selecionados. As miocardites podem se apresentar com 4 diferentes cenários: 1) quadro “IAM like” com dor torácica associada a troponina elevada, com ou sem supra de ST e coronárias sem lesão obstrutiva; 2) IC aguda (<3 meses); 3) IC crônica 4) Condições ameaçadoras à vida: Miocardite fulminante com Choque cardiogênico, Arritmias ventriculares ou distúrbios de condução (TV/ BAV avançado). Diante de um paciente com suspeita de miocardite, o primeiro passo é descartar os diagnósticos diferenciais mais comuns tais como: IAM, valvopatia, emergência hipertensiva.
  1. De acordo com esta nova diretriz de miocardite, na investigação do paciente com suspeita de miocardite são indicados: provas de atividade inflamatória (PCR/VHS), NT-pro-BNP (relação com prognóstico), troponina, ecocardiograma e a ressonância cardíaca com gadolínio. As sorologias virais não devem ser indicadas de rotina, apenas mediante suspeita clínica, com destaque para HIV, hepatite C e Chagas. RT-PCR para COVID também nos casos suspeitos. As provas reumatológicas seguem a mesma regra, pedir apenas de acordo com o cenário clínico.
  1. As troponinas têm, em média, sensibilidade de 83% para o diagnóstico de miocardite. Esse número é um pouco maior nos casos “IAM like” e menor nos quadros de IC. Mas é importante lembrar que troponina negativa não descarta o diagnóstico de miocardite.
  1. A ressonância cardíaca é o exame padrão-ouro não invasivo para o diagnóstico de miocardite. Isso porque, além de ser capaz de avaliar diagnósticos diferenciais (isquemia vs. inflamação, doenças estruturais), é também capaz de nos dar informações prognósticas. Os critérios de Lake Louise modificados (2018) são os mais utilizados para o diagnóstico de miocardite com sensibilidade de 88% e especificidade de 96%2. Eles incluem a pesquisa de edema (mapa T2), inflamação, fibrose e necrose miocárdica (mapa T1). O realce tardio pelo gadolínio na miocardite tem padrão tipicamente meso-epicárdico, o que nos ajuda a diferenciar da lesão isquêmica (acomete endocárdio). Por fim, na presença de disfunção ventricular e/ou realce tardio acometendo > 13% da massa do VE, o prognóstico é pior, e esse dado é fundamental para o seguimento dos pacientes. Resumindo: suspeita de miocardite = ressonância cardíaca com gadolínio. Nos pacientes em que a ressonância cardíaca é contraindicada ou inconclusiva, duas boas alternativas são a cintilografia com Gálio-67 e o PETC-CT com FDG-18. Ambas serão também particularmente úteis (e mais acuradas) nos casos de suspeita de sarcoidose. (para mais dicas de imagem na ressonância, checa este post: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/seu-paciente-teve-miocardite-com-realce-tardio-na-ressonancia-cardiaca-e-bom-ficar-atento-com-ele/

  1. As miocardites devem sempre ser consideradas como diagnostico diferencial das miocardiopatias, isto é, um grupo de doenças do miocárdio excluindo DAC, hipertensão, valvopatias e doenças congênitas. Sob esse ponto de vista, descartar coronariopatia é mandatório, seja pela angiotomografia de coronárias ou CATE, de acordo com a probabilidade pré-teste de cada indivíduo.
  1. A biópsia endomiocárdica basicamente está indicada no paciente que não está evoluindo bem (ex. sintomático, com disfunção ventricular ou arritmias graves), e queremos avaliar a possibilidade de tratamentos específicos modificadores de prognóstico. Está indicada nos casos de miocardite fulminante, IC aguda ou crônica sintomática, sem boa resposta ao tratamento clínico e/ou associada a distúrbios de condução (BAV, TV). O procedimento é feito em laboratório de hemodinâmica, guiado por escopia e ecocardiograma, com biópsia de fragmentos do VD (6-10 fragmentos). Idealmente, a análise da biópsia deve incluir histologia, imuno-histoquímica e pesquisa de vírus cardiotropicos (PCR quantitativo). Nos casos de biópsia com miocardite autoimune (ex. células gigantes, eosinofílica ou sarcoidose) a imunossupressão está indicada. Nos pacientes com miocardite linfocítica e pesquisa viral negativa, pode haver benefício na imunossupressão por 6 meses, com melhora da função ventricular. Nos casos de pesquisa viral positiva, é possível o tratamento com antivirais específicos (interferon, telvibudina, aciclovir)
  1. O tratamento farmacológico para pacientes com disfunção ventricular deve seguir as mesmas diretrizes de IC (betabloqueadores, IECA/BRA/sacubitril-valsartana, espironolactona, inibidores de SGLT2). Para pacientes sem disfunção ventricular e com fibrose, betabloqueador e IECA/BRA podem ser utilizados por pelo menos 1 ano com objetivo de reduzir morbidade e mortalidade. Mesmo após normalização da função ventricular, recomenda-se manter a terapia.
  1. A atividade física pode ser liberada após 3-6 meses nos casos de baixo risco, normalização de função ventricular, normalização dos biomarcadores de lesão cardíaca, teste ergométrico e holter sem arritmias. Vacinação para vírus deve ser realizada fora da atividade de doença, pelo menos após 3 meses da suspeita diagnóstica. O seguimento dos pacientes de baixo risco deve ser feito com 1, 6 e 12 meses, com avaliação clínica e ECO/ ressonância. Pacientes de alto risco devem ser avaliados com 15 dias, 1,3,6 e 12 meses preferencialmente com ressonância de controle.

Esta nova diretriz de miocardite em breve sairá publicada no periódico Arquivos Brasileiros de Cardiologia.Referências1- Montera MW, Mesquita ET, Colafranceschi AS, et al. I Brazilian guidelines on myocarditis and pericarditis. Arq Bras Cardiol. 2013; 100 (4 Suppl 1):1-36. https://www.scielo.br/j/abc/a/HVwf4YzBnHSByC6hNym3BvJ/?lang=en2- Luetkens JA, Faron A, Isaak A, Dabir D, Kuetting D, Feisst A, Schmeel FC, Sprinkart AM, Thomas D. Comparison of Original and 2018 Lake Louise Criteria for Diagnosis of Acute Myocarditis: Results of a Validation Cohort. Radiol Cardiothorac Imaging. 2019 Jul 25;1(3):e190010. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7978026/