Imunogenética do sistema ABO, TH e Anticorpos irregulares

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Os antígenos apresentados pelas superfícies das hemácias humanas são variados e apresentam grande importância clínica em obstetrícia. O sistema ABO é determinado por três alelos que ocupam o mesmo locus gênico (IA, IB – dominantes e i - recessivo). Já o fator RH é determinado por um conjunto de genes que podem levar à presença de um antígeno na superfície eritrocitária que ocupam loci gênicos no braço curto do cromossomo 1. De todos eles, o mais importante é o gene D que quando presente determina a expressão do antígeno D nas hemácias classificando a pessoa como RH positivo. Já as pessoas que não expressam o antígeno D serão classificadas como RH negativos. Estima-se que cerca de 15 a 17% da população caucasiana é RH negativa, 2 a 5% da negra e 2% da asiática. Há ainda pessoas que apresentam apresentação antigênica fraca do fator D na superfície eritrocitária que são classificados como RH negativos do tipo D fraco ou ainda RH negativos com fator Du positivo. Esses pacientes comportam-se do ponto de vista antigênico como pessoas RH positivas.

Há ainda um terceiro grupo de antígenos que podem ser expressos na superfície das hemácias chamados irregulares. Existem vários tipos que podem ser citados como Kell, Duffy, Kidd, Colton, Diego e Scianna. 

Cerca de 98% das doenças hemolíticas perinatais ocorrem pelo anticorpo anti-D produzido pela gestante RH negativo quando ocorre passagem de hemácias fetais (de um feto RH positivo) para a circulação materna. O contato com hemácias RH positivas pode provocar a formação de anticorpos pelo sistema imunológico da mãe do tipo IgM, inicialmente, e IgG posteriormente. A IgM não cruza a barreira placentária por apresentar alto peso molecular. Já a IgG tem a capacidade de passar a placenta e provocar hemólise no feto RH positivo. 

Nos raros casos (cerca de 2%) de outro tipo de incompatibilidade costuma ser por anticorpos irregulares ou pelo sistema ABO. Dessa forma, gestantes RH negativas com coombs indireto positivo devem ser submetidas à pesquisa de anticorpos irregulares (sigla PAI). Se houver a presença de um anticorpo irregular detectado, considera-se que o teste é positivo por esse motivo. Raramente a doença hemolítica será grave quando existe a presença de um anticorpo irregular. Mais difícil ainda (quase desprezível) é a presença de doença hemolítica por incompatibilidade ABO uma vez que as hemácias fetais têm poucos sítios antigênicos A ou B para desencadear resposta imunológica materna, os anticorpos anti-A ou anti-B gerados são predominantemente IgM (portanto não cruzam a barreira placentária) e os poucos IgG que passam a placenta podem se ligar a outros sítios antigênicos que não somente as hemácias fetais. Sabe-se que outras células expressam os antígenos A e B que não exclusivamente as hemácias.

O teste de coombs indireto é um exame feito com o sangue materno em que se utiliza anti-anticorpos. Portanto, se houver anticorpos na circulação materna, os anti-anticorpos irão detectar a sua presença. Entretanto, é um teste que não é específico para o anti-D podendo ser positivo na presença de anticorpos irregulares também. Portanto, frente a um resultado positivo deve-se solicitar a pesquisa dos anticorpos irregulares (PAI). 

Do ponto de vista clínico, recomenda-se sempre que possível avaliar o fator RH do feto (já é possível essa informação no teste de pesquisa de DNA fetal no sangue materno). A atenção deve ser dada para os fetos RH positivos ou RH negativos Du fracos em mães RH negativas. O risco de passagem de hemácias fetais para provocar sensibilização materna durante a gestação é de cerca de 2% sendo mais significativo no terceiro trimestre. Por essa razão, as diretrizes recentes recomendam a adminstração da imunoglobulina anti-D na 28ª. semana de gestação e a sua repetição nas primeiras 72 horas após o parto, momento em que a passagem de hemácias fetais para a circulação materna é mais significativo. Importante lembrar que nas gestantes que realizaram a imunoglobulina na 28ª. semana não devem mais ser submetidas ao teste de coombs indireto pois estará positivo pela própria administração do imunobiológico.

REFERÊNCIAS:

  1. Zugaib M. Obstetrícia. 4ª ed. Editora Manole. São Paulo. 2019.
  2. Manual de gestação de alto risco. 2022. Acesso em https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_gestacao_alto_risco.pdf