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Endometrioma - estratégia cirúrgica
Escrito por
Dra. Patricia Peras
Publicado em
23/10/2023
Entre as massas anexiais, o endometrioma possui a particularidade de ser derivado de tecido ectópico endometrial no ovário e é uma das formas da manifestação da endometriose. Sua presença constitui marcador de endometriose profunda, podendo ser assintomática ou sintomática com dores pélvicas crônicas e infertilidade. Deste modo, o tratamento dessa massa anexial deve ser pautado pelo alívio dos sintomas, exclusão de malignidade (quando há dúvidas) e/ou melhora da fertilidade.
Além de apresentar a vantagem de diagnóstico definitivo da patologia da massa anexial, a abordagem cirúrgica promove uma melhora nos sintomas álgicos. A sua desvantagem, porém, consiste no risco cirúrgico inerente ao procedimento, além da possível diminuição de reserva ovariana.
Entre as possibilidades cirúrgicas, a ooforoplastia, ou cistectomia, consiste na abordagem conservadora do ovário, abordando apenas o cisto e mantendo o tecido ovariano. Nesta cirurgia, a preferência é que seja realizada por uma via minimamente invasiva (laparoscopia ou robótica), mas o risco de conversão para laparotomia deve ser informada à paciente, pois pode ocorrer em até 5% dos procedimentos. Além disso, a cirurgia pode promover o tratamento de outros focos de endometriose e, em casos selecionados, optar por biópsia de congelação no transoperatório quando há suspeita de malignidade. Após o procedimento, é importante a prevenção da recidiva do endometrioma administrando progestogênio ou, se indicado, contraceptivo combinado.
Outras técnicas cirúrgicas consistem em aspiração do cisto, porém, a sua realização está associada a altas taxas de recorrência em até 6 meses. A incisão da cápsula do endometrioma associada à ablação realizada com vaporização à laser ou coagulação também pode ser performada, entretanto, quando comparada à ooforoplastia, se mostrou menos eficaz tanto para a redução da dor quanto na melhora da infertilidade. Essa técnica, apesar disso, mostrou ter menor impacto na reserva ovariana.
A escleroterapia ovariana pode ser uma alternativa em pacientes que serão submetidas à captura em ciclos para realização de Fertilização In Vitro (FIV). Embora essa técnica possua alta recorrência, é importante na redução do volume do endometrioma, o que é vantajoso na reprodução assistida.
Assim, a ooforoplastia também pode ser realizada de diversas maneiras, bem como a escolha do agente hemostático no leito ovariano. Para a retirada do cisto, pode ser utilizada a técnica “stripping”, que consiste na remoção do cisto com dissecção circular ao redor dele. O stripping, no entanto, remove menos folículos ovarianos, já que a cápsula do endometrioma pode invadir até 1,5 mm em parênquima ovariano.
A coagulação do leito ovariano, realizada por sutura ou por agentes hemostáticos, pode melhorar o impacto da reserva ovariana. Esse impacto é visto ao haver dosagem do hormônio anti-mülleriano no pós-operatório, quando comparado esses agentes hemostáticos com a energia bipolar. Assim, há um consenso para o uso racional desse tipo de energia em cirurgias conservadoras do ovário. O uso de celulose (Oxidized Regenerated) pode diminuir o sangramento no sítio cirúrgico, além de promover menor chance de recidiva e possuir pouco impacto nos níveis de Dosagem do Hormônio Anti-mülleriano (AMH).
Caso seja observado, durante a ooforoplastia, outros cistos anexiais (hemorrágico ou folicular) — que são achados comuns —, e a ooforoplastia seja difícil ou com difícil controle da hemostasia, pode-se optar por manter esses cistos com o objetivo de preservar folículos ovarianos.
Assim, embora a ooforectomia constitua um tratamento definitivo, em mulheres abaixo de 50 anos, quando realizada bilateralmente, pode aumentar mortalidade por doenças cardiovascular, em virtude da queda hormonal abrupta. Logo, a decisão pela remoção ovariana deve ser realizada de modo individual e deve levar em consideração o risco de recidiva, sintomas relacionados e sequelas pela diminuição hormonal. Está indicada quando a paciente possui recorrência de cistos, pós-menopausa ou risco aumentado de malignidade. Porém, mesmo nas formas de endometriomas recorrentes, uma abordagem conservadora pode ser oferecida.
Quando realizada unilateralmente, a ooforectomia possui um impacto incerto na resposta hormonal da paciente. Já a bilateral, promove uma perda completa da produção hormonal ovariana.
Contudo, devido à endometriose, o endometrioma pode acometer toda a fosseta ovariana, de modo que, para ser abordado, em alguns casos, é necessária a abertura dos espaços pararretais e a dissecção do ureter em sua extensão, caracterizando uma cirurgia avançada.
No pós-operatório, a estratégia deve considerar o desejo reprodutivo, a extensão da endometriose observada na cirurgia, idade e risco de recorrência. Pacientes que desejam engravidar podem ser orientadas quanto ao risco e benefício da recidiva.
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