Compartilhe
Doenças benignas da vulva
Escrito por
Jader Burtet
Publicado em
28/9/2023
Por ser a parte externa da genitália, a vulva pode ser acometida por dermatoses tanto inflamatórias quanto proliferativas. Essas dermatoses podem ser limitadas à vulva ou envolver pele e membranas mucocutâneas. A avaliação dessas afecções é importante para diminuir os potenciais riscos e desconforto causados por elas, além da necessidade de realizar uma diferenciação de doenças malignas dessa região.
Para isso, faz-se necessário uma boa anamnese a fim de avaliar o tempo da manifestação da lesão — se crônico ou agudo — e se há algum gatilho para os sintomas. Também é importante questionar se a lesão mudou de forma, se há algum sintoma (prurido, ardência, dor, secreção etc.) e se apresenta sintomas e sinais associados em outros aparelhos, como febre, sintomas urinários e intestinais. Além disso, na anamnese deve ser questionado sobre lesões em outros locais, se há manifestação em mais alguém na família, hábitos de higiene, uso de medicações ou produtos na região e se já fez tratamentos prévios.
Durante o exame físico, deve-se avaliar a morfologia da lesão, tamanho, bordos, distribuição das lesões, coloração, consistência e se há alterações secundárias como fissura, descamação, liquenificação ou edema.
As mais comuns são a psoríase, eczemas, líquen escleroso, farmacodermia, hidradenite supurativa e doença de Behçet. Já vitiligo, melanose, nevos e ceratose seborreica são classificadas como discromias e tumores benignos da vulva.
A psoríase é uma afecção eritematoescamosa prevalente em até 2% da população. Pode acometer áreas de dobras e região genital. Pode se manifestar com placas eritematosas descamativas com bordos definidos, principalmente nos grandes lábios, e pode ter placas escamosas em zonas pilosas. Nessas regiões, pode ser denominada de psoríase intertriginosa ou invertida e seu quadro clínico, além das lesões descritas, pode ser associado a prurido, dor, queimação e até dispareunia. Seu diagnóstico é eminentemente clínico, sendo a biópsia necessária apenas em casos em que há dúvida. O tratamento inclui corticoides tópicos em cursos de 2 semanas, sendo os imunomoduladores reservados apenas para tratamento mais longo.
Os eczemas podem ser endógenos, causados por eczema atópico ou exógeno, como a dermatite de contato. Sua forma crônica cursa com liquenificação e descamação, mas em sua forma aguda pode apresentar prurido, eritema e vesículas. Em muitos casos, o quadro tem início ainda na infância, geralmente apresentando prurido intenso em placa localizada, conhecido como líquen simples crônico. Devido ao prurido crônico, o líquen simples crônico possui uma pele espessa e endurecida. Um exemplo é a dermatite atópica, que se apresenta geralmente associada com outras atopias, podendo ser por contato, por excesso de higiene ou mesmo por contato com fezes ou urina. Essa dermatite está presente em metade das pacientes com queixa de prurido vulvar e seu tratamento inicial é realizado com anti-histamínico — para alívio do prurido — associado a hidratantes e corticoides tópicos.
O líquen escleroso são pápulas ou placas brancas bem definidas em que a pele fica mais frágil e, devido ao prurido, pode ocorrer fissuras. Pode ser associado com outras afecções como na dermatite de contato, atópica e psoríase. Mais comum na pós-menopausa, mas pode acometer mulheres em todas as idades. Além do prurido, mais comum no período noturno, pode se manifestar por dispareunia superficial, dor ou disúria. Essa dermatose pode evoluir para sinequia de clítoris, obliteração de introito vaginal e o tratamento visa, além de reduzir sintomas, diminuir risco dessas complicações. Possui como diagnóstico diferencial o líquen plano e carcinoma epidermoide. O tratamento é com base em corticoide de alta potência como o clobetasol, utilizando-o 2 vezes ao dia, ao longo de um mês com posterior retirada gradual. Caso não haja efeito, outras opções são os inibidores da calcineurina (tacrolimo), retinóides sistêmicos, imunossupressores, laser e radiofrequência.
A hidradenite supurativa é uma inflamação crônica das glândulas apócrinas, tendo como característica o acometimento de áreas de dobra, como axilas e região genital. Também conhecida como acne inversus pode cursar com vários abscessos, cistos — que podem ter infecção secundária — e confluência das lesões, ocasionando fístulas e cicatrizes hipertróficas. Obesidade e tabagismo são fatores de risco para essa inflamação e possui como diferencial doença de Crohn, tuberculose cutânea e carcinoma de vulva, devendo ser realizada biópsia em lesões atípicas. Seu diagnóstico é realizado a partir das lesões típicas, como os nódulos dolorosos e profundos, abscessos, comedões em axila, virilha, vulva em lábio maior e menor observadas por mais de 6 meses. Os critérios de localização, tipo de lesão e tempo são necessários para o diagnóstico. Não possui tratamento específico, devendo ser realizado o controle de infecções locais com antibioticoterapia e, em casos refratários, tratamento cirúrgico.
A doença de Behçet é uma doença inflamatória sistêmica que cursa com úlceras orais e genitais recorrentes. O tratamento é com colchicina via oral.
Já nas discromias da região vulvar, a região pode ser acometida por vitiligo, que são máculas acrômicas definidas assintomáticas, ou mesmo dermatose pigmentar e nevos melanocíticos, que são as melanoses benignas. Nesse caso, deve ser realizado o diagnóstico diferencial com melanoma por meio do uso de dermatoscopia. Nas ceratoses seborreicas há um crescimento da placa ceratótica áspera ou rugosa, que são benignas. O tratamento é indicado apenas em caso de desconforto ou sintomas.
REFERÊNCIAS:
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS' COMMITTEE ON PRACTICE BULLETINS — Gynecology. Diagnosis and Management of Vulvar Skin Disorders: ACOG Practice Bulletin, Number 224. Obstetrics and Gynecology, v. 136, n. 1, 2020, p. e1-e14. Disponível em: https://doi.org/10.1097/aog.0000000000003944. Acesso em: 06 set. 2023.
BORNSTEIN, Jacob et al. The 2015 International Society for the Study of Vulvovaginal Disease (ISSVD) Terminology of Vulvar Squamous Intraepithelial Lesions. Journal of Lower Genital Tract Disease, v. 20, n. 1, 2016, p. 11-14. Disponível em: https://doi.org/10.1097/lgt.0000000000000169. Acesso em: 06 set. 2023.
CHIBNALL, Rebecca. Vulvar Pruritus and Lichen Simplex Chronicus. Obstetrics and Gynecology Clinics of North America, v. 44, n. 3, 2017, p. 379-388. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ogc.2017.04.003. Acesso em: 06 set. 2023.
FARAGE, Miranda; MILLER, Kenneth; LEDGER, William. Determining the cause of vulvovaginal symptoms. Obstetrical and Gynecological Survey, v. 63, n. 7, 2008, p. 445-464. Disponível em: https://doi.org/10.1097/ogx.0b013e318172ee25. Acesso em: 06 set. 2023.
LYNCH, Peter et al. 2006 ISSVD classification of vulvar dermatoses: pathologic subsets and their clinical correlates. The Journal of Reproductive Medicine, v. 52, n. 1, 2007, p. 3-9. Disponível em: https://www.reproductivemedicine.com/toc/auto_abstract.php?id=22894. Acesso em: 06 set. 2023.
PASSOS, Eduardo et al. (org.) Rotinas em Ginecologia. 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 2023.
SAND, Freja; THOMSEN, Simon. Skin diseases of the vulva: eczematous diseases and contact urticaria. Journal of Obstetrics and Gynaecology, v. 38, n. 3, 2018, p. 295-300. Disponível em: https://doi.org/10.1080/01443615.2017.1329283. Acesso em: 06 set. 2023.
YANG, Eric; KONG, Christina; LONGACRE, Teri. Vulvar and Anal Intraepithelial Neoplasia: Terminology, Diagnosis, and Ancillary Studies. Advances In Anatomic Pathology, v. 24, n. 3, 2017, p. 136-150. Disponível em: https://doi.org/10.1097/pap.0000000000000149. Acesso em: 06 set. 2023.