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Sabe-se que fetos, em resposta a condições que resultem na diminuição da oxigenação, respondem a alterações biofísicas sequenciais. Diante disso, a avaliação do bem-estar fetal tem por objetivo a redução da incidência de morte fetal intrauterina e a diminuição de sequelas ocasionadas por hipoxemia. Embora nos últimos anos tenha havido uma redução da morte fetal, 33% das causas das mortes permanecem desconhecida.
A avaliação rastreia fetos com risco de morte fetal intraútero, que ocorre em gestações com morbidade ou por aquisição durante a evolução. Para avaliação do risco, avalia-se o crescimento fetal, movimentos fetais, frequência cardíaca fetal, circulação da troca materno-fetal realizada pela placenta e rastreamento no pré-natal. Para avaliar o bem-estar fetal, há monitorizações intra ou anteparto sem estresse ou repouso, estimulada e com estresse, perfil biofísico fetal, avaliação do líquido amniótico e análise computadorizada da frequência cardíaca fetal, Doppler e oximetria.
A condição materna — como diabetes pré-gestacional, hipertensão arterial, lúpus, doença renal crônica, SAAF, hipertireoidismo, anemia falciforme, doença cardíaca cianótica, abuso de substâncias e obesidade — está intimamente ligada com o risco de mortalidade perinatal. Há também condições que são relacionadas à gestação, como diabetes gestacional, hipertensão gestacional, colestase, isoimunização, pós-datismo (acima de 41 ou 42 semanas), rupreme, oligo ou polidrâmnio, restrição de crescimento fetal, redução na movimentação fetal, gestação gemelar, hemorragia, trauma e reprodução assistida.
Já durante o trabalho de parto, pode ocorrer hipóxia devido à insuficiência placentária ou à intolerância ao estresse do trabalho de parto, com risco aumentado quando se realiza a indução do trabalho de parto de forma medicamentosa, uso de ocitocina, analgesia de parto, sangramento, febre, mecônio ou líquido sanguinolento, pouco ou ausência de líquido após amniotomia, parto prolongado, prematuro ou taquissistolia. Há também risco para pacientes com cesárea prévia, como anomalia fetal previamente conhecida, alteração do Doppler da artéria umbilical, idade materna acima de 40 anos e apresentação pélvica.
Acima de 26 semanas, toda gestante deve acompanhar a movimentação fetal, pois a sua diminuição pode ser devido à hipoxemia fetal. Indicada diariamente nas gestações de alto risco e, nas de baixo risco, não apresenta base científica. A indicação é 10 movimentos em 2 horas e, em alguns estudos, 1 hora 3x/sem. Alguns protocolos recomendam avaliação adicional caso estejam ausentes por 2 horas ou diminuídos em 12h.
A cardiotocografia, também chamada de monitorização ante ou intraparto, é o registro gráfico não invasivo dos BCF associados à atividade uterina. O exame é utilizado para a avaliação da integridade do SNC, pois há um aumento da influência parassimpática, que diminui gradualmente a frequência cardíaca fetal com a evolução gestacional. Já o mecanismo simpático, via estímulo adrenérgico, eleva a linha de base. Esses parâmetros podem ser alterados pela atividade fetal, movimentação, movimentação respiratória, oxigenação e estado materno.
A cardiotocografia é classificada em anteparto ou basal e intraparto. A basal é utilizada para acompanhar a saúde fetal na gestação; já a intraparto, para avaliar a vitalidade no trabalho de parto. Conhecida desde 1960, possui fracas evidências de redução de morbimortalidade perinatais, porém, até hoje possui papel de destaque na propedêutica fetal por ser de fácil realização, baixo custo e alto valor preditivo negativo.
Entre a terceira e sexta semana de vida embrionária, ocorre o desenvolvimento do coração fetal e seu sistema de condução. O sistema nervoso autônomo regula a frequência cardíaca fetal em fases mais tardias da gestação; e foi evidenciado que um meio hipoxêmico compromete, primeiramente, o hipotálamo e núcleos da base, prejudicando justamente a ação do sistema nervoso autônomo, tendo como consequência a alteração da frequência cardíaca fetal.
No terceiro trimestre, o SNA parassimpático atua, via nervo vago, no nodo sinoatrial e atrioventricular, resultando em cronotropismo cardíaco negativo. Isso leva à redução da frequência cardíaca observada, nunca abaixo de 110 bpm, associada a um efeito oscilatório da frequência chamada de variabilidade. Logo, em gestações abaixo de 28 semanas, há pouca ou nenhuma variabilidade nos traçados.
O simpático, por sua vez, é o aumento da frequência observada com a maturidade do SNA, também no avançar da gestação. Como consequência, no terceiro trimestre, observa-se acelerações transitórias, além do aumento da variabilidade. Além de eventos isquêmicos prejudicarem a reação simpática, pode haver, como primeira resposta fetal, uma taquicardia simpática em resposta à vasoconstrição. Mas, além do patológico, a taquicardia fetal pode ser resposta à hipertermia materna, ansiedade, tireotoxicose, drogas, doenças cardíacas do concepto e constitucionais.
A variabilidade registrada reflete a oxigenação de SNC, uma vez que é resultado da atividade entre estímulo parassimpático e simpático. Considerada normal quando entre 11 e 25 bpm, silente quando menor que 5 bpm e ausente quando não é detectada. A sua diminuição pode fazer parte do ciclo sono-vigília, mas também pode indicar redução do pH fetal, causada por hipoxemia grave. Algumas medicações podem reduzir a variabilidade, como atropina, propranolol, sulfato de magnésio e BAVT. Quando aumentada, a variabilidade não é considerada patológica. Pode estar presente em atividade motora e arritmias cardíacas fetais. Uma variabilidade adequada prediz uma oxigenação adequada do sistema nervoso central e a ausência de acidemia fetal induzida por hipoxemia.
A aceleração transitória é quando ocorre aumento da amplitude da frequência cardíaca fetal de 15 bpm por, no mínimo, 15 segundos, podendo demorar até 2 minutos para retornar à linha de base. Se prematuro menor de 32 semanas, considerar um aumento de 10 bpm por 10 segundos. Considerada aumentada quando possui duração maior de 2 minutos, mas menor que 10, pois, caso persista, é considerada mudança da linha de base.
Chamado de desaceleração precoce, as DIP I acontecem em decorrência do aumento da pressão intracraniana fetal, devido às contrações uterinas e esforços expulsivos. Tal aumento da pressão estimula os quimiorreceptores nas artérias carótidas fetais e arco carótido, estimula o sistema simpático, causando vasoconstrição para preservar adrenal, coração e cérebro. Em resposta, há uma estimulação de barorreceptores, que resulta na lentificação parassimpática reflexa mediada pelo nervo vago. O auge dessa desaceleração coincide com o ápice da contração uterina, e não possui correlação com acidemia ou dano neurológico ocasionado por evento hipoxêmico.
As desacelerações variáveis (DIP III ou umbilical) são aquelas cuja amplitude negativa mínima é 15, por mais de 15 segundos e menos de 2 minutos, em analogia às acelerações transitórias. Não se correlacionam com as contrações, podendo ocorrer antes, durante, após e até de forma independente. A causa mais provável seja, talvez, a compressão temporária do cordão, e não necessariamente à hipóxia fetal. Suas consequências são tempo-dependentes, sendo as de maior gravidade quando ocorrem perda de acelerações transitórias iniciais, demora ou ausência da recuperação. Perde-se variabilidade durante e depois desse evento, por persistência e se há duração maior que 1 minuto e desaceleração geminada. Além desses fatores, são conhecidas como desaceleração variável complicada, principalmente quando a frequência atinge 70 bpm em mais de um minuto, se bifásica.
As desacelerações prolongadas são a queda da frequência cardíaca fetal por mais de 2 minutos, com mínimo de 15 bpm. Caso dure mais de 10 minutos, indica mudança da linha de base e pode ser devido a compressão ou prolapso de cordão, descolamento prematuro da placenta e ruptura uterina. Alguns eventos transitórios como analgesia, toque vaginal, taquissistolia podem ocasioná-las. Em casos duvidosos, pode-se realizar hidratação materna, mudança de decúbito e suspensão imediata em caso de infusão de ocitocina.
A cardiotocografia anteparto de repouso, também conhecida como basal ou sem estresse, é chamada de MAP, tendo resultado reativo se mais de 2 acelerações transitórias em 20 minutos ou não reativo se não for registrada nenhuma aceleração transitória em 40 minutos. Muitas são as taxas de falso positivo, ocasionando exames adicionais, mas é baixa a taxa de falso negativo. Avaliada a partir das 32 semanas, com evidencia de oxigenação fetal normal, independentemente do tempo necessário para demonstrar a reatividade.
Ao se deparar com um resultado não reativo, saber que até 60% pode ser um falso positivo e, assim, deve ser feita avaliação adicional. Dependendo da hiporreatividade, deve-se repetir o teste em meia hora, estimular de forma vibroacústica e avaliar fatores causadores da hiporreatividade, como fumar próximo ao teste.
Já na cardiotocografia de estresse, também chamada de teste de Pose, induz-se contração uterinas com ocitocina. Atualmente em desuso, devido contraindicações relativas, como estímulo da contração em paciente com contraindicação para parto vaginal. Além disso, é de difícil execução se comparado ao teste sem estresse.
Desde 2008, a intraparto possui 3 classificações em I, II e III. A I é preditivo de bem-estar fetal, a II é quando há indicação de avaliação complementar e a III é quando há desaceleração tardia recorrente, variável recorrente (mais de 50% das contrações), bradicardia ou padrão sinusoidal com alto risco para hipoxemia fetal e consequente acidemia fetal.
REFERÊNCIAS:
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