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Posso prescrever anticoncepcional para menor de idade desacompanhada do responsável legal?
Escrito por
Marina Apostólico
Publicado em
31/1/2023
Uma situação que pode ocorrer no consultório médico, principalmente nos consultórios de ginecologistas, é uma paciente menor de idade com o desejo de iniciar anticoncepcional, relatando início de atividade sexual. Chega no consultório sozinha e com essa demanda específica. Mas e aí, como abordar?
Um fator importante é avaliar com essa paciente o quanto ela entende sobre o que está acontecendo e sobre relação sexual, bem como o seu entendimento e desejos acerca dos métodos anticoncepcionais. Após realizar esse acolhimento e tentar entender a paciente e sua demanda, a resposta é: sim. Se o profissional julgar que a paciente está coerente após uma conversa inicial, a prescrição é autorizada e não há nenhuma necessidade de informação ao responsável legal.
É bom lembrar que, após essa conversa inicial e definido que ela está apta a receber a prescrição, deve-se aproveitar a oportunidade para conversar com a paciente sobre outros desdobramentos da atividade sexual, como as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e possíveis métodos protetivos. É o momento para abordar sobre os preservativos e sobre as ISTs, falando sobre as diversas infecções e as determinadas prevalências. Além disso, é importante checar com a paciente sobre a atualização do cartão vacinal e verificar se tomou todas as vacinas indicadas.
Mas o que acontece se a(o) responsável legal ir ao consultório e desejar saber sobre o motivo da consulta e o que foi conversado, como conduzir?
Nesses casos, é importante lembrar dos pilares da ética médica e, dentre eles, um princípio importante nessa ocasião é o da autonomia, que tem relação com o sigilo médico. Assim, não há necessidade de revelar para o responsável legal.
E se o responsável legal perguntar sobre a virgindade da filha?
Mais uma vez, lembramos do sigilo médico e que não há necessidade de revelar quaisquer informações que a paciente não deseja. Orientar a(o) responsável legal que, caso haja necessidade de tal informação, converse diretamente com a paciente.
As orientações para a paciente devem ser esclarecidas e ofertadas de uma maneira que a paciente consiga compreender, e não de forma metódica e com linguagem técnica. É importante que o profissional consiga fazer com que a compreensão seja efetiva. Após a conversa inicial e sentindo que a paciente está apta a receber o método contraceptivo, o próximo passo é entender quais são os métodos mais indicados. Nesse quesito, faz-se necessário explicar para a paciente sobre todos os métodos anticoncepcionais: preservativos, métodos de barreira, métodos intrauterinos e métodos hormonais e não hormonais, DIU hormonal, DIU não hormonal, pílula somente de progestogênio, anel vaginal, adesivo transdérmico, implante de etonogestrel, injetável mensal e trimestral. A OMS tem recomendado que, para adolescentes, seja prescrito métodos de longa duração que são reversíveis, pois há trabalhos mostrando que as adolescentes são as pacientes que mais esquecem de tomar o anticoncepcional. Assim, os métodos de longa duração (conhecidos com LARC - Long acting reversible contraception) são mais indicados para adolescentes, porém é necessário oferecer todos os métodos, conversar sobre as melhores indicações, mas deixar que a paciente escolha o método – exceto se houver contraindicação. Essa é uma decisão compartilhada, dando à paciente o poder de escolha e trabalhando para o empoderamento da paciente.
Em relação ao DIU: adolescente pode fazer uso?
A resposta é sim, pode. A medicina baseada em evidência mostra que não há contraindicação do uso de DIU pelo fato de ser adolescente.
Paciente que nunca teve penetração vaginal, ela pode optar por utilizar o DIU?
Para essa abordagem é importante que o profissional tenha feito uma boa relação profissional-paciente, para que haja liberdade da adolescente em expor suas dúvidas, angústias e desejos. E, para além disso, é importante que haja o entendimento da adolescente, nesse caso, sobre seu conceito de virgindade. A partir disso, o profissional irá conduzir a conversa sobre sua escolha. Esse entendimento é necessário, pois o profissional deve explicar que a colocação do DIU irá romper o hímen da paciente. Essa explicação abrange fatores culturais porque se o rompimento do hímen, no entendimento dela, é um fator importante e deve ser feito por uma relação sexual, então esse método deve ser evitado. Porém, se a paciente relatar que não é um fator importante para ela e a decisão está coerente com o entendimento da mesma, não há contraindicação para não realizar. Para os profissionais de saúde que forem realizar esse procedimento, em casos como esse, deve haver o esclarecimento para a paciente sobre essa questão do hímen e o profissional deve informar sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que deverá ser preenchido e assinado pela paciente, informando o procedimento em que a paciente será submetida e que a mesma está ciente que uma das consequências imediatas é o rompimento do hímen.
O que são os LARC (Long acting reversible contraception) e quais são os disponíveis no mercado nacional ? O que está disponível no mercado nacional é o DIU de cobre, DIU hormonal (levonorgestrel) e o implante subdérmico - colocado na face medial do braço não dominante e que contém apenas progesterona, que é liberada na circulação sanguínea e tem duração de até 3 anos.
Em relação ao implante de etonogestrel, que é ofertado mais comumente na Europa, como abordar se a paciente chega no consultório com esse desejo?
Alguns pacientes chegam com essa demanda e determinam esse implante denominando como "chip". Essa, porém, é uma confusão encabeçada pelo marketing. É importante esclarecer que trata-se de um implante com progesterona (etonogestrel).
Uma outra questão comum no consultório sobre anticoncepção é sobre quando há esquecimento da tomada de uma ou duas pílulas, o que deve ser orientado?
A orientação nesse caso é tomar no momento que você lembrou. Uma orientação técnica, entretanto, é que aqueles que possuem 35 µg de etinilestradiol possuem uma margem um pouco maior para casos de esquecimento. Caso a paciente esqueça de tomar por 3 dias seguidos a concentração e a eficácia diminuem a ponto de apresentar maior risco e, nesse caso, deve-se indicar o preservativo. E caso haja relação sexual nos últimos 7 dias, deve-se avaliar o uso da anticoncepção de emergência. Nos métodos com concentração menor, como 20 e 15 µg, a indicação é tomar as pílulas que faltaram no momento que lembrar. A tolerância para esses casos é de até 48 horas. Caso haja quaisquer dúvidas sobre a orientação ou após relação sexual desprotegida, é importante orientar sobre a contracepção de emergência, que é levonorgestrel 1 mg via oral, que é uma progesterona. Porém, se houver dúvidas, é melhor prescrever.
Como orientar as adolescentes quando há sangramento de escape, utilizando métodos anticoncepcionais?
A pílula anticoncepcional é um combinado de progesterona que é necessário para inibir a ovulação e estrogênio, com objetivo de proliferar o endométrio para que não tenha sangramentos no período de tomada e tenha o sangramento apenas no período de pausa. Se a paciente tem escape, é mais comum de acontecer com a dose de estrogênio baixa entre 20 e 15 µg, porque a dosagem é baixa e quase não têm capacidade de proliferar o endométrio. É importante afastar a dúvida e a relação que muitos pacientes fazem que o escape é decorrência da perda do efeito da pílula, e isso não é verdade. O bloqueio da ovulação está acontecendo, porém com a dosagem mais baixa o estrogênio irá proliferar muito pouco o endométrio. Se, após essa explicação, a paciente entender que é decorrência do método, a indicação é manter. Porém, se ela queixa que é um incômodo e que não gosta de ter esses escapes, é necessário aumentar a dosagem do estrogênio - com objetivo de proferir um pouco mais do endométrio.
Existe algum tipo de contraindicação absoluta de pílula anticoncepcional oral combinada que devemos ter cautela?
A OMS possui um guideline e inclusive há um aplicativo da Organização que aborda os critérios de elegibilidade da paciente para os métodos. As contraindicações para utilizar são:
- hipertensa
- tabagista com mais do que 35 anos
- história pregressa de trombose ou de trombofilia, não deverá usar anticoncepcional com estrogênio
- enxaqueca com aura - pois predispõe a AVE
- enxaqueca sem aura não pode utilizar anticoncepção a partir de 35 anos
Como abordar o desejo de contracepção em uma adolescente que tem história pregressa de trombose venosa profunda ou tem algum desses fatores de risco?
A contraindicação dos métodos combinados (progesterona e estrogênio) é para quem teve história de trombose ou tem trombofilia. É importante orientar que para essas contraindicações, a paciente não deve utilizar os métodos combinados devido a ação do estrogênio - que aumenta o risco de trombose. Assim, pode-se indicar métodos que possuem apenas a progesterona. As indicações mais comuns são:
- injetável trimestral (que contém apenas progesterona)
- pílulas de progesterona isolada
- implante de etonogestrel
- DIU de cobre e DIU HORMONAL
É importante lembrar que o próprio ciclo gravídico puerperal – devido às alterações fisiológicas, como aumento dos fatores pró-coagulantes e diminuição do sistema fibrinolítico – é mais arriscado para se desenvolver uma trombose do que os métodos anticoncepcionais. A própria fisiologia da gestação aumenta em 16x o risco de ter um fenômeno tromboembólico.
Transcrição: Diogo Henrique