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A retirada do útero, chamada de histerectomia, foi realizada pela primeira vez no século XIX utilizando incisão abdominal e vaginal, e é considerada o procedimento de grande porte ginecológico mais realizado no mundo. Após estudos e inovações tecnológicas, em 1989 Harry Reich realizou a primeira histerectomia laparoscópica, considerada uma técnica minimamente invasiva. Após esse feito, a via laparoscópica hoje é amplamente realizada, e mesmo que a técnica laparotômica ainda continue sendo a via mais utilizada pelos cirurgiões ginecológicos, essa está com tendência de queda nos últimos anos.
As doenças benignas, como os leiomiomas uterinos, adenomiose, sangramento uterino anormal idiopático, endometriose e prolapso, são responsáveis por 70% das indicações de histerectomia. Entretanto, pode ser realizada em alguns casos de neoplasia ovariana, uterina, tubas uterinas e câncer cervical.
A técnica minimamente invasiva citada possui a vantagem de menor sangramento intraoperatório, menor tempo de permanência hospitalar, recuperação mais rápida e menor taxa de infecção de ferida operatória. Pode ser dividida em:
- tipo 0: quando a laparoscopia é utilizada para a preparação vaginal da retirada do útero, por exemplo, liberando aderências
- tipo 1: quando secciona-se ao menos o infundíbulo pélvico (ou útero-ovárico)
- tipo 2: quando secciona-se as artérias uterinas, por via laparoscópica, finalizando por via vaginal
- tipo 3: quando se faz a excisão do complexo cardinal-uterossacro, mas parcialmente ou unilateral, complementando por via vaginal
- tipo 4: é a histerectomia totalmente realizada por via laparoscópica.
A histerectomia também pode ser dividida em alguns subgrupos, sendo a histerectomia total laparoscópica quando há a remoção de todo o útero, e a subtotal (ou supracervical), ao retirar o útero, porém com conservação da cérvice.
Ao retirar o útero, pode ser aventada a discussão de ooforectomia e salpingectomia eletiva. Nesse caso, é de suma importância avaliar os benefícios ante aos possíveis malefícios, como em pacientes pré-menopausa. Em relação à salpingectomia, no entanto, há uma tendência em realizar em conjunto com as histerectomias, visto que tal medida é associada à redução do risco para neoplasia ovariana, pois há evidências de que o sítio primário dessa neoplasia encontra-se nas tubas.
A realização de procedimento laparoscópico deve avaliar a paciente quanto às condições médicas para realização do pneumoperitônio, treinamento do cirurgião, necessidade de remoção intacta ou morcelada do órgão e o instrumental. Os materiais nesse caso devem facilitar o trabalho. Os equipamentos típicos da videolaparoscopia devem cumprir a tarefa de pinçamento das estruturas, dissecção, corte e hemostasia. Para isso, os instrumentos com uso de energia, como monopolar e bipolar, e pinça ultrasonic são amplamente utilizados, porém, quanto maior a tecnologia, o gasto é proporcional.
Independentemente da escolha do instrumental, o conhecimento dos princípios eletrocirúrgicos, bem como técnica cirúrgica e anatomia, é essencial para a realização de uma cirurgia segura.
Para iniciar a cirurgia, indica-se antibiótico profilático na indução anestésica. Como a via laparoscópica necessita de pneumoperitônio, a anestesia geral é preferencial, uma vez que o pneumoperitônio associado à posição de Trendelenburg podem ocasionar riscos pulmonares, caso a paciente não esteja sob anestesia geral.
Posiciona-se a paciente em litotomia, com cuidado para evitar lesões neurológicas provenientes de posições não ergonômicas. Os membros inferiores devem ser posicionados com perneiras apoiadas em panturrilha com extensão de 10 a 15 graus, e os membros superiores alocados ao longo do corpo. Não é necessário a tricotomia de rotina, não se mostrou benéfico. Já a realização de antissepsia é de suma importância, uma vez que tal ação diminui a flora cutânea. A assepsia é realizada preferencialmente com clorexidina, uma vez que tal solução é superior ao iodopovidona. Na vagina, deve-se usar diluições aquosas para maior cuidado com a mucosa.
Após a assepsia e antissepsia, colocam-se os campos estéreis, sondagem vesical de demora e insere-se o manipulador uterino. A manipulação uterina na histerectomia laparoscópica auxilia na mobilização do útero, bem como a exposição do sítio cirúrgico.
Há diversos tipos de manipuladores uterinos, porém, o princípio desse material é que ele tenha um copo em formato de cone, para auxílio do tamponamento do pneumoperitônio ao realizar a colpotomia posteriormente. Também há uma cânula introduzida no útero a fim de mobilizá-lo e aumentar a distância das estruturas a serem operadas e ureter e intestino, tornando a cirurgia mais segura.
Nas histerectomias com múltiplos portais, o trocarte principal geralmente faz-se em região umbilical (tanto umbilical e supraumbilical quanto infraumbilical) para a confecção do pneumoperitônio com agulha de Veress. Já os outros portais são posicionados para manter uma triangulação aos instrumentais utilizados. Para evitar lesão de nervos e vasos sanguíneos da parede abdominal (nervo ilioinguinal, ílio-hipogástrico, artérias epigástricas), as portas dos quadrante inferior são alocadas aproximadamente 2 cm medial e 2 cm cranial em relação à espinha ilíaca anterossuperior. Um quarto portal pode ser utilizado em casos de dissecções extensas ou para realização de suturas laparoscópicas, como a colporrafia.
Ao adentrar na cavidade, observa-se o sítio de punção para certificar-se de que não houve acidente de punção (o acidente de grandes vasos na primeira punção é um dos eventos mais graves), faz-se um inventário de todo o abdome, tanto superior quanto inferior, e após a certificação da anatomia e estudo da pelve em questão, faz-se a introdução dos trocartes auxiliares e pinças, sob visualização direta, e prossegue-se ao posicionamento de Trendelenburg para que haja um afastamento das alças intestinais do sítio cirúrgico.
Além da identificação das estruturas anatômicas a serem operadas, a identificação do ureter pode ser realizada, para que assim a laparoscopia fique mais segura.
Os pedículos superiores são ligados de forma separada. Assim, liga-se o útero-ovárico, tuba e, por último, o ligamento redondo. Os anexos, ao serem identificados, após a decisão de manter ovário ou não (visto histórico de neoplasia, desejo da paciente, status reprodutivo, entre outros fatores) são passos iniciais na cirurgia. Na manutenção do ovário, inicia-se pinçando a trompa uterina com pinça atraumática e tem início a cauterização e secção da mesossalpinge, com atenção para a retirada de toda porção fimbrial, já que é onde possui maior implicação com o desenvolvimento futuro de carcinoma epitelial. Caso seja optado por ooforectomia concomitante, inicia-se o procedimento na identificação, cauterização e secção do infundíbulo pélvico, que contém a artéria ovariana, ramo direto da aorta. Nesse passo, a identificação do ureter aumenta a segurança da cirurgia.
A ligadura dos pedículos superiores libera os folhetos peritoneais do ligamento largo anterior e posterior. Dessa forma, ao dissecar caudalmente, encontra-se os vasos uterinos. Antes de cauterizar e seccionar os vasos uterinos, disseca-se caudalmente a bexiga de modo a afastar os ureteres, e também para o preparo da amputação do colo. Nessa etapa, a manipulação uterina traz segurança e precisão ao cirurgião pois o relevo do cone mostra o limite da dissecção vesical. Após essa etapa, realiza-se a esqueletização dos vasos uterinos, ou seja, libera-se os vasos de qualquer peritônio, deixando-os expostos e, então, prossegue para pinçamento, cauterização e secção dos vasos uterinos, após certificar-se de haver uma distância segura dos ureteres – esses, geralmente a 2 cm caudal aos vasos uterinos.
Numa histerectomia total, prossegue-se para colpotomia, em que se faz com incisão circular ao redor da cérvice com energia monopolar ou ultrassônica. Caso deseje realizar, conforme indicação, subtotal, realizar a secção ao nível do orifício cervical interno. O pneumoperitônio, nessa etapa, é mantido pelo obliterador de vagina existente no manipulador útero.
Após liberar o útero (+ trompas ou anexos), retira-se a peça pela vagina, e então deve-se providenciar um instrumento para que se realize oclusão vaginal para manter o peritônio, como uma luva ou a própria peça cirúrgica.
A sutura da cúpula é de escolha do cirurgião. Pode-se prosseguir para sutura endoscópica com fio de absorção lenta. Independente da técnica, há como preceito incorporar à sutura a mucosa vaginal em conjunto com tecido pubocervical/retovaginal e inserção de ligamento uterossacro que promovem uma menor chance de deiscência. A sutura endoscópica é relacionada às menores taxas de infecção ao se comparar suturas por via vaginal.
Após o procedimento, a checagem da hemostasia deve ser realizada rigorosamente. Após o término do procedimento, retira-se todo pneumoperitônio e realiza-se a sutura da aponeurose com fio também de absorção lenta e, depois, da pele.
As possíveis complicações para esse procedimento, apesar de baixa, são geralmente correlacionadas ao posicionamento da agulha de Veress na confecção do pneumoperitônio (sangramento, lesão intestinal), relacionada ao próprio pneumoperitônio como hérnia nos portais. Quanto às complicações da própria histerectomia, essas incluem sangramento, lesão visceral, doenças tromboembólicas, dor, infecção de ferida operatória, hematoma, fístulas, deiscência de sutura de cúpula vaginal. Porém, cabe salientar que são complicações cada vez menos prevalentes com o avançar da técnica e expertise do cirurgião.
Referências:
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