Fertilidade Após Múltiplas Cirurgias Ovarianas: Risco Para a Reserva Ovariana?

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A realização de cirurgias ovarianas, seja por cistos, endometriomas ou tumores benignos, levanta uma questão crucial para ginecologistas e obstetras: até que ponto intervenções repetidas comprometem a reserva ovariana e, consequentemente, a fertilidade? Embora muitas dessas cirurgias sejam necessárias para aliviar sintomas ou prevenir complicações, a preocupação com o impacto sobre a função reprodutiva é um ponto de destaque, principalmente em pacientes mais jovens.

O Papel da Cirurgia Ovariana na Reserva Ovariana

Cada procedimento cirúrgico no ovário pode comprometer o número de folículos primordiais remanescentes e esse impacto é potencialmente cumulativo em mulheres submetidas a múltiplas ressecções ovarianas. A ressecção tecidual durante a cirurgia — frequentemente necessária para remover lesões como endometriomas ou cistos dermoides — pode levar à perda de tecido saudável, impactando diretamente a reserva ovariana.

Endometriomas: O Desafio da Ressecção Segura

Endometriomas representam um dos maiores desafios na cirurgia ovariana. Diversos estudos indicam que a excisão cirúrgica de endometriomas, embora necessária em casos sintomáticos, pode estar associada a uma redução significativa na reserva ovariana. A avaliação da reserva ovariana pré e pós-cirurgia é frequentemente feita com a medição dos níveis de hormônio antimülleriano (AMH), que refletem a quantidade de folículos remanescentes.

  • Impacto na Fertilidade: Cirurgias repetidas para endometriomas têm sido associadas a uma diminuição mais acentuada nos níveis de AMH. Isso ocorre porque a cápsula do endometrioma frequentemente adere ao tecido ovariano saudável, aumentando o risco de dano folicular durante a ressecção. Estudos sugerem que a abordagem cirúrgica deve ser planejada com cautela, considerando o impacto na reserva ovariana versus o alívio dos sintomas.

Tumores Benignos e Cistos Ovarianos

Tumores benignos, como cistos dermoides ou cistos serosos, são outra indicação comum para cirurgia ovariana. Embora essas lesões geralmente sejam bem delimitadas e removidas com relativa facilidade, as cicatrizes e a perda de tecido ovariano saudável podem comprometer a função reprodutiva. Cistos funcionais e benignos menores, quando assintomáticos, podem ser observados clinicamente em vez de removidos, uma abordagem que pode preservar a reserva ovariana.

Abordagens Cirúrgicas Modernas: Preservando a Função Ovariana

Com o avanço das técnicas cirúrgicas, a tendência tem sido a adoção de abordagens menos invasivas que busquem preservar o máximo possível de tecido ovariano saudável. A cirurgia laparoscópica, quando realizada por cirurgiões experientes, oferece melhor visualização das estruturas ovarianas e permite a remoção precisa de lesões com menos danos ao tecido ovariano.

  • Técnicas de Cistectomia Laparoscópica: Estudos indicam que a cistectomia realizada com técnicas de dissecção cuidadosa minimiza a perda de tecido ovariano funcional. Em comparação com a abordagem de cauterização excessiva ou fulguração, a dissecção precisa pode preservar mais folículos e melhorar as chances de fertilidade futura.
  • Terapias de Preservação Ovariana: Em algumas pacientes com endometriose severa ou múltiplos cistos, o uso de agonistas de GnRH pré-cirurgia pode ajudar a reduzir o tamanho das lesões e facilitar uma ressecção menos agressiva. Além disso, em casos de cirurgia para endometriomas, a consideração de técnicas de preservação de fertilidade, como a criopreservação de óvulos ou embriões, deve ser discutida antes de procedimentos que possam comprometer a reserva ovariana.

Quando Evitar a Cirurgia?

Nem todos os cistos ou lesões ovarianas justificam a intervenção cirúrgica. Em pacientes jovens com desejo de preservar a fertilidade, cistos assintomáticos ou funcionais podem ser observados clinicamente, evitando o risco de perda ovariana desnecessária. A decisão deve ser baseada em uma avaliação criteriosa dos sintomas, do risco de malignidade e do impacto potencial da cirurgia na reserva ovariana.

Avaliação da Reserva Ovariana Pré-Operatória

Antes de qualquer cirurgia ovariana, a avaliação da reserva ovariana é crucial. Além dos níveis de AMH, a contagem de folículos antrais (CFA) por ultrassonografia pode fornecer uma estimativa do impacto potencial da cirurgia e ajudar no aconselhamento da paciente sobre suas opções de preservação de fertilidade. Em mulheres com reserva ovariana já comprometida, medidas como a criopreservação de óvulos ou embriões podem ser consideradas antes da cirurgia.

As múltiplas cirurgias ovarianas, especialmente para endometriomas, representam um risco significativo para a fertilidade devido à perda cumulativa de folículos primordiais. O manejo cuidadoso e individualizado dessas pacientes, com ênfase em técnicas de preservação ovariana e decisões cirúrgicas ponderadas, é essencial para maximizar as chances de fertilidade futura. Discussões sobre a criopreservação de óvulos devem ser uma prioridade em mulheres jovens que planejam engravidar no futuro e necessitam de intervenções repetidas nos ovários.