Câncer de Colo Uterino na Gestação: Diretrizes e Condutas

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O câncer de colo uterino é a neoplasia ginecológica mais comum durante a gestação, com uma incidência estimada de 0,1 a 12 por 10.000 gestações. As neoplasias intraepiteliais cervicais apresentam taxas de incidência variando entre 1,3 e 2,7 por 1.000 gestações. Estudos demonstram que o prognóstico oncológico das gestantes não difere significativamente das pacientes não gestantes. O aumento no número de gestantes tratadas por neoplasias e o seguimento das crianças nascidas dessas gestações mostram segurança no uso de diversos quimioterápicos durante a gestação, refletindo em melhores desfechos neonatais e de desenvolvimento neuropsicomotor devido a diminuição de prematuridade.

Rastreamento e Diagnóstico

O rastreamento de lesões pré-neoplásicas e do câncer de colo uterino em gestantes deve seguir as recomendações para mulheres não grávidas, utilizando a colpocitologia oncótica. A procura pelo serviço de saúde para o acompanhamento pré-natal é uma oportunidade para o rastreamento. Pacientes com colpocitologia alterada devem ser encaminhadas para colposcopia, sem contraindicação para biópsia em qualquer fase da gestação. Em casos de neoplasia intraepitelial cervical (NIC II ou III), o tratamento deve ser postergado para o pós-parto, com acompanhamento colposcópico a cada 12 semanas.

Estadiamento e Tratamento

Lesões invasoras devem ser estadiadas preferencialmente por ressonância magnética do abdome sem contraste e radiografia de tórax com proteção abdominal. O tratamento depende do estadiamento, da idade gestacional e do desejo da paciente em manter a gestação. É legalmente respaldada a interrupção da gestação até 22 semanas para permitir o tratamento oncológico padrão. Alternativas para pacientes que desejam preservar a gestação incluem tratamento expectante, conização/traquelectomia com ou sem linfadenectomia pélvica, ou quimioterapia neoadjuvante com carboplatina e paclitaxel até a 34ª/35ª semana, a depender do estadiamento.

Interrupção da Gestação

Para a interrupção da gestação em pacientes com câncer de colo uterino, são necessários os seguintes passos:

  • Avaliação de, no mínimo, dois profissionais, sendo um deles especialista na doença que está motivando a interrupção.
  • Prontuário médico com justificativas detalhadas sobre o risco materno.
  • Anuência e/ou consentimento esclarecido assinado pela gestante ou por seus familiares, salvo em situações de iminente risco de vida.
  • Apoio e acompanhamento de uma equipe multiprofissional, especialmente de psicólogos.

Não são necessários autorização judicial, boletim de ocorrência ou comunicação ao Conselho Regional de Medicina. O método de interrupção da gestação depende da idade gestacional e do estadiamento:

  • Estádio Inicial: Pode-se realizar histerectomia radical com o feto in situ ("útero cheio").
  • Doença Localmente Avançada no Primeiro Trimestre: Indica-se abortamento com evacuação do concepto.
  • Aborto Cirúrgico Não Viável: Devido à presença de tumor obliterando o orifício cervical, a radioterapia pode ser iniciada com o concepto intraútero, resultando em aborto espontâneo dentro de três semanas.
  • Acima de 16 Semanas: Dá-se preferência por feticídio antes do início do tratamento ou da evacuação.

Planejamento do Parto

Em casos sem progressão de doença, o parto deve ser planejado para o termo da gestação, preferencialmente por cesariana com incisão corporal para evitar a extensão da histerotomia para o colo e a laceração tumoral. O parto vaginal está contraindicado em pacientes com neoplasia invasora devido ao risco de sangramento e obstrução do canal de parto.

Tratamento Pós-Parto

O tratamento definitivo após o parto depende do desejo reprodutivo da paciente. Para aquelas com desejo reprodutivo, as opções incluem conização ou traquelectomia radical. Pacientes sem desejo reprodutivo podem ser submetidas a histerectomia extrafascial ou radical, associada à linfadenectomia pélvica, realizada juntamente com a cesariana ou seis semanas após o parto.

A avaliação multidisciplinar e individualizada é crucial para garantir os melhores desfechos para a mãe e o feto. O diagnóstico concomitante de câncer e gestação é raro e desafiador, demandando uma abordagem cuidadosa e baseada em evidências científicas atualizadas.